Título: Menos gastos com juros, menos impostos
Autor: Oliveira, Eliane e Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 10/10/2007, Economia, p. 31

Carga tributária cairia 5 pontos percentuais se governo reduzisse despesa financeira, diz presidente do Ipea.

Há quase dois meses na presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o economista Márcio Pochmann já deixou sua marca, ao provocar um debate sobre o papel do Estado na economia brasileira. Bastante crítico em relação às privatizações, ele afirma que agora o Estado precisa entrar onde o setor privado não tem interesse. E como financiar esse aumento da participação do Estado? Cortando despesas com juros, por exemplo, o que permitiria a redução da carga tributária em cinco pontos percentuais, responde Pochmann.

Eliane Oliveira e Gustavo Paul

Sua visão de que o Estado brasileiro é raquítico causou polêmica. Mas como financiar um Estado mais robusto do ponto de vista fiscal?

MÁRCIO POCHMANN: Não tenho dúvida de que precisamos de um Estado de outra natureza. A História mostra a redução do papel do Estado nos anos 90, a necessidade de esvaziar o Estado do ponto de vista empresarial e se concentrar mais na área social. Transferimos 15% do PIB (Produto Interno Bruto), 166 empresas foram privatizadas. A verdade é que, quando o Estado sai do setor empresarial, as despesas caem, mas também se perde receita. Se cortarmos o Estado do jeito que está, teremos ainda mais problemas.

E qual é a saída?

POCHMANN: A saída ainda é o crescimento. Nos últimos 25 anos, crescemos a uma média de 2,6% ao ano. Se tivéssemos mantido o compromisso de crescer 5%, 6% ao ano, o Brasil seria hoje a quarta economia do mundo. Com carga tributária de 22% do PIB, teríamos um volume de recursos três vezes maior do que nós arrecadamos com 36% do PIB sendo tributados.

Como seria esse Estado menos raquítico do ponto de vista empresarial?

POCHMANN: No fruto do debate dos anos 90, criou-se uma falsa disjuntiva, que é mais Estado significará menos setor privado. Na realidade, os dados mostram que a redução do Estado no setor empresarial reduziu o tamanho do setor privado nacional. Nos anos 90, nas privatizações, quem comprou as empresas estatais? Uma parte foram as empresas nacionais, mas grande parte foram estrangeiras. Se você pegar as 500 maiores empresas brasileiras, nos anos 90 menos de um terço eram estrangeiras. Hoje, são 50%. Perdeu-se governabilidade.

O que o setor privado pode fazer pela área social?

POCHMANN: O setor privado investe onde tem retorno. Em escolas, hospitais, será atendido quem tem dinheiro para pagar. O Estado faz pelos que não têm dinheiro. Menos de 50% dos nossos jovens de 15 a 17 anos de idade estão no Ensino Médio. Se quisermos ser como o Chile, que tem 90%, precisamos construir 50 mil salas de aula, contratar 500 mil professores e incluir cerca de seis milhões de jovens. O setor público vai nas áreas em que o setor privado não tem interesse. Há uma série de áreas estratégicas em que são necessários investimentos que o setor privado não vai fazer.

Que setores são esses?

POCHMANN: A biotecnologia, os novos materiais, a nanotecnologia, a nova matriz energética, os fármacos, a área de defesa. É preciso uma conversa com o setor privado tendo como foco a idéia do longo prazo. O debate é: qual é a perspectiva do capitalismo? Teremos 500 grandes empresas dominando o mundo em qualquer setor da atividade econômica. Quais serão as empresas brasileiras que jogarão nesse mercado mundial? A privatização foi mal feita no Brasil. Nós não criamos os jogadores, salvo algumas exceções, como na siderurgia.

Hoje temos um Estado cuja carga tributária é de 34,23%, a maior da História. Mas o Estado precisa dessa carga tributária para manter a máquina funcionando.

POCHMANN: O Brasil poderia reduzir sua carga tributária em cinco pontos percentuais, se cortasse gastos com juros. Eu diria que são gastos improdutivos. É o gasto financeiro, que não gera emprego e formata uma sociedade extremamente desigual, uma polarização intensa entre ricos e pobres. Quem ganha até dois salários mínimos no Brasil paga praticamente um salário em impostos, e quem ganha mais de 30 salários mínimos paga um terço em impostos. Não há, por exemplo, imposto sobre herança e riqueza.

Por outro lado, os gastos correntes do governo continuam crescendo...

POCHMANN: No pensamento comum, se eu poupar meu salário, vou ter mais dinheiro para gastar ou investir em alguma coisa. Do ponto de vista macroeconômico, o investimento não é resultado da poupança, é a poupança que equivale ao investimento. No Brasil, há R$1 trilhão de recursos que estão sendo aplicados no sistema financeiro e não se transformam em investimentos. Os juros elevados são um importante fator. Se estou ganhando 8% reais (descontada a inflação do período), que atividade econômica me daria isso? Em segundo lugar, é necessária uma agenda de investimento. Se vou imobilizar o meu dinheiro para comprar tijolos para fazer a fábrica, quero saber se haverá energia daqui a dois, três anos.

O Programa de Aceração do Crescimento (PAC) não ajudaria os empresários nessa agenda de investimento?

POCHMANN: O PAC não promove, ele viabiliza os investimentos. Se o investidor sabe que haverá estradas e que o país terá mais hidrelétricas, ele vai investir.