Título: Era gente sem perna, parecia um filme
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Fonte: O Globo, 11/10/2007, O País, p. 8

Testemunhas relatam cenário de guerra após colisão; trecho montanhoso e cheio de curvas dificultou resgate.

DESCANSO (SC). Às 11h de terça-feira, Ivani Beck, funcionária da unidade da Cooperativa Regional Alfa em São José do Cedro, Santa Catarina, ligou para o marido, Noredi Beck, dizendo que o show do cantor Daniel estava começando.

¿ Ela estava muito contente ¿ disse Noredi.

Ivanir era uma das 15 mil convidadas da festa dos 40 anos da cooperativa, realizada no Parque de Exposições Tancredo Neves, em Chapecó (SC). Mas a imprudência de motoristas transformou um dia de sonho de Ivanir em desespero e comoveu o Estado de Santa Catarina.

Mãe de Leonardo Beck, de 9 anos, e Paula Beck, de 13 anos, Ivanir não chegou em casa com vida. Ela foi uma das 27 vítimas fatais dos dois acidentes ocorridos na terça-feira, na BR-282. No primeiro acidente, um caminhão bitrem (com dois reboques), de Frederico Westphalen, colidiu na traseira de uma carreta, perdendo o controle e batendo de frente com o ônibus que transportava 42 agricultores e funcionários da Cooperalfa, de Chapecó para São José do Cedro, entre eles Ivanir.

O local da tragédia, num trecho montanhoso, cheio de curvas, dificultou o resgate. Não havia sinal de celular e os equipamentos de iluminação eram escassos. Parecia uma cena de guerra. Destroços de veículos e pacotes de açúcar estavam misturados com corpos. O frenético vai-e-vem de ambulâncias indicava que a tragédia era de grandes proporções.

¿ Entre mortos e feridos, foi a maior tragédia de Santa Catarina até hoje. Com certeza houve falha de alguém, no mínimo negligência ¿ disse o policial rodoviário federal, Antônio Gilmar Freitas.

¿ Quando vi o ônibus caído, subi em um caminhão que estava parado à beira da estrada para fazer algumas fotos. Foi quando percebi que um outro caminhão vinha na nossa direção e estava atropelando tudo. Pensei que ia junto. Foi um sufoco ¿ contou o fotógrafo freelancer Jorge Hajdasz, 29 anos, que viu o segundo acidente.

No aniversário, enterro do amigo

No dia em que deveria comemorar seu aniversário, o motorista de ambulância Diego Trentin, de 31 anos, teve de enterrar um dos melhores amigos, o radialista da Rede Peperi Valdik Lucas Rupolo, de 35 anos.

¿ Que presente de aniversário! ¿ desabafou.

Trentin, que morou com o amigo em Florianópolis, antes de ambos retornarem para São Miguel do Oeste, disse que a vida de Rupolo estava muito bem. Há um ano, o radialista começou a namorar e recentemente comprou ¿o carro dos sonhos¿, um Golf. Além de enterrar o amigo, Trentin foi um dos que trabalhou no resgate dos corpos e no socorro aos feridos.

¿ Era gente sem perna, sem cabeça, parecia filme ¿ disse.

Valdik Rupolo tinha dois horários na Rádio Peperi FM, de São Miguel do Oeste (SC). O ¿Desperta Peperi¿, diário, das 5h às 6h30m, e o ¿Viva a Banda¿, que ia ao ar aos domingos ao meio-dia. Tinha um temperamento forte e gostava de estar envolvido com a rotina dos microfones.

Natural de São Miguel do Oeste, Rupolo morou em Florianópolis, mas há cerca de três anos retornou à cidade para nova passagem pela emissora. O radialista gostava de sair à noite e tinha uma namorada no município de Bandeirante. Rupolo foi velado na tarde de ontem em São Miguel do Oeste e levado para Bandeirante, onde foi enterrado. Ele deixa pai, mãe e uma irmã.

Darci Debona, da Agência RBS