Título: Brasil e Estados Unidos trocam acusações
Autor: Oliveira, Eliane e Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 11/10/2007, Economia, p. 30

Secretário americano reclama de burocracia brasileira. Para Amorim, EUA fazem guerra na mídia.

BRASÍLIA e SÃO PAULO. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, atacou duramente os Estados Unidos em relação às negociações da Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ele disse que os americanos estão fazendo "uma guerra na mídia" ao responsabilizar os países emergentes, entre os quais o Brasil, pela falta de um acordo. Em visita ao Brasil, o secretário de Comércio americano, Carlos Gutierrez, afirmou que o Brasil deveria convencer os demais emergentes a apoiarem o acordo. O secretário também criticou a burocracia e a carga tributária do país, que classificou de "alta e imprevisível".

- O Brasil é um líder e, se declarar seu apoio ao acordo da OMC, os outros países farão o mesmo - disse Gutierrez.

Amorim, depois de se reunir com o assessor para Assuntos Econômicos da Casa Branca, Alan Hubbard, avisou:

- Isso é injusto, incorreto e, dessa maneira, não terminaremos a rodada.

Já Hubbard se limitou a dizer, ao deixar o Itamaraty, que o presidente americano, George W. Bush, está totalmente comprometido com Doha.

Ao saber das declarações de Gutierrez, Amorim rebateu:

- Também gostaríamos que os EUA ajudassem nisso. Em agricultura, o diabo está nos detalhes, enquanto na indústria as coisas parecem mais simples - afirmou, referindo-se à pressão dos países ricos para que os emergentes reduzam as tarifas sobre produtos industrializados.

Amorim criticou a oferta americana de reduzir os subsídios agrícolas a entre US$13 bilhões e US$16,5 bilhões. Ele lembrou que, em 2006, os EUA gastaram US$15,6 bilhões:

- Precisamos saber se os EUA estão mais perto de US$13 bilhões ou de US$16,5 bilhões. Se for de US$16,5 bilhões, a oferta é nula.

O chanceler também afirmou que o Brasil não abrirá mão do Mercosul para obter sucesso na Rodada de Doha, pois o bloco é uma questão de estabilidade política.

Gutierrez: custo-Brasil dificulta investimentos

Em São Paulo, Gutierrez disse que o custo-Brasil é um dos impedimentos para que as companhias americanas aumentem seus investimentos em território brasileiro.

- As empresas enfrentam tarifas altas, dificuldades alfandegárias, um sistema tributário imprevisível, um sistema legal sobrecarregado e uma Justiça lenta. Não estou dizendo nenhuma novidade, é o chamado custo-Brasil - afirmou o secretário em palestra a empresários na Câmara Americana de Comércio (Amcham).

Em 2006, o comércio entre os dois países chegou a US$45,6 bilhões, uma alta de 15% frente ao ano anterior.

Com relação à Rodada de Doha, Gutierrez afirmou que a Casa Branca está tentando obter no Congresso o fast-track (mecanismo que autoriza o governo a fechar acordos comerciais sem interferência do Legislativo) especial para concluir as negociações. Apesar do descrédito de especialistas, o secretário americano acredita que um acordo em Doha está "mais próximo do que podemos imaginar":

- Como em toda negociação, as partes têm que ceder alguma coisa. Ninguém vai ganhar tudo, mas o suficiente.

Lula quer que brasileiros comprem mais dos vizinhos

Hoje o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reúne com todos os embaixadores brasileiros na América do Sul, 13 ministros de Estado e os dirigentes das estatais brasileiras, como Petrobras, Eletrobrás, Itaipu e BNDES, para cobrar soluções para os problemas que impedem a integração com os países da região.

Para Amorim, um dos grandes problemas é o financiamento. Dos projetos aprovados pelo BNDES desde 2003, no total de US$6 bilhões, apenas de US$2 bilhões a US$2,5 bilhões foram desembolsados. O chanceler citou como entraves os juros elevados em relação ao mercado internacional e a burocracia. Ele disse que o superávit do Brasil com os países sul-americanos cresceu quase 400% nos últimos quatro anos. Para Lula, os brasileiros precisam comprar mais dos vizinhos.

- A América do Sul é hoje, sozinha, um mercado mais importante para o Brasil do que os EUA - disse Amorim.