Título: Renan, enfim, se afasta
Autor: Vasconcelos, Adriana e Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 12/10/2007, O País, p. 3

Pressionado, presidente do Senado tira licença, abrindo caminho para aprovação da CPMF.

Depois de resistir por 139 dias, e menos de um mês após sua absolvição em plenário, o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), acabou cedendo à pressão para que se afastasse do cargo, reforçada nas últimas horas pelo Palácio do Planalto. Visivelmente abatido, Renan optou por fazer um pronunciamento à TV Senado, que foi ao ar no início da noite de ontem, no qual anunciou sua decisão de se licenciar da presidência, mas apenas por 45 dias. Nas últimas 48 horas, Renan percebeu que perdera, como pivô da pior crise da história do Senado, as condições para continuar comandando a Casa.

Com isso, o vice-presidente, o petista Tião Viana (AC), assume a presidência tendo como principal desafio pacificar a Casa e, assim, tentar garantir, para o governo, a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) que prorroga a CPMF até 2011.

As quatro representações por quebra de decoro contra Renan no Conselho de Ética, porém, continuam e podem levar à cassação de seu mandato. Por isso, diversos senadores apostavam ontem que, ao fim dos 45 dias, ele pode tanto renovar a licença quanto não voltar em definitivo à presidência.

O senador Jefferson Peres (PDT-AM), relator da terceira representação contra Renan, disse que a decisão foi tardia e que Renan não tem coragem de voltar à presidência do Senado.

- É uma pausa para permitir que o Senado vote matérias, mas não acaba a crise. Mas ele errou no momento escolhido. Não há retrocesso. Se ele retornar à presidência, volta a crise, porque ele perdeu a condição de presidir o Senado - disse Peres.

A decisão de Renan foi amadurecida ao longo do dia ontem, depois de ter recebido, na noite anterior, um ultimato de seus principais conselheiros: o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), e o governador de Alagoas, Teotonio Vilela (PSDB). Os três avisaram que o prazo máximo dado pela Casa para que Renan se afastasse do comando do Senado seria o fim de semana.

Oposição recusa acordo sobre cassar

Os aliados aconselharam Renan a se antecipar para tentar preservar ao menos o mandato de senador. Ele queria um acordo para não ser cassado, mas não houve compromisso dos aliados neste sentido, mesmo porque não depende só deles. À tarde, quando o clima já era de grande suspense no Congresso, Renan deixou a residência oficial em direção a seu gabinete no Senado, onde gravou o pronunciamento cercado apenas por assessores e um de seus mais fiéis escudeiros, o senador Wellington Salgado (PMDB-MG). Na saída de casa, mostrou aos fotógrafos um papel branco.

Renan afirmou que tomava a atitude para mostrar que não precisava do cargo para se defender, como vinha sendo acusado pela oposição:

- Decidi me licenciar da presidência do Senado Federal, pelo prazo de 45 dias, a fim de demonstrar, de forma cabal e respeitosa, à nação e a todos os ilustres senadores que não precisaria do cargo para me defender. Agindo assim, afasto, de uma vez por todas, o mais recente e injusto pretexto usado para tentar dar corpo à inconsistência das representações enviadas, sem qualquer indício ou prova, ao Conselho de Ética.

Renan reconheceu ter perdido as condições de comandar a Casa, lembrando os constrangimentos da última terça-feira, em que não conseguiu presidir a sessão, bateu boca com vários colegas e foi obrigado a abandonar o plenário. Desde aquele dia, sua permanência no cargo passou a ser considerada, inclusive pelos aliados mais próximos, como insustentável.

- Com este meu gesto, que é unilateral, preservo a harmonia no Senado Federal, deixo claro o meu respeito pelos interesses do país e homenageio as altas responsabilidades das funções que exerço, contribuindo decisivamente para evitar a repetição dos constrangimentos ocorridos na sessão do dia 9 de outubro - acrescentou Renan, que consultou amigos antes de gravar o texto no gabinete.

Embora tenha resistido ao máximo em deixar a cadeira, Renan foi forçado a se afastar do cargo depois de uma dura conversa em sua residência na noite de quarta-feira. Uma avaliação feita por Romero Jucá lhe deu noção exata do tamanho de seu desgaste na Casa, dizendo que, se um novo processo fosse a plenário, ele teria o apoio de cerca de 20 senadores apenas, menos da metade dos 46 votos que o absolveram no seu primeiro julgamento, em 12 de setembro.

Senador acatou conselho de aliados

Abatido, Renan ouviu tudo com o olhar vago e distante. Pela primeira vez, ele não reagiu com veemência aos conselhos de seus aliados. Ficou reflexivo. Nesse momento, o governador e aliado Teotonio Vilela argumentou que ele estava diante de amigos, e não inimigos. Lembrou que Renan já havia cometido inúmeros erros em todo o processo, mas que o maior deles teria sido o de não se licenciar logo após sua absolvição do primeiro processo que investigou a denúncia de que ele teria tido despesas pessoais pagas pela empreiteira Mendes Júnior.

Sarney reforçou que havia um consenso na Casa sobre a necessidade de seu afastamento. Renan, então, pediu algumas horas para consultar amigos. Jucá, Sarney e Teotonio foram embora, quando entraram na sala os deputados Aldo Rebelo (PCdoB-SP); os dois irmãos de Renan, os deputados Renildo Calheiros (PCdoB-PE) e Olavo Calheiros (PMDB-AL); e seu filho, o prefeito de Murici, Renan Filho.

- Foi um processo doloroso, mas ficou claro que haveria uma solução quando ele começou a ouvir os amigos e a processar o que estávamos falando - observou Jucá.

Ontem, além de disparar dezenas de telefonemas, Renan almoçou com o governador de Alagoas e recebeu a visita dos senadores Edison Lobão (PMDB-MA) e Wellington Salgado (PMDB-MG).

- Renan estava muito triste e tenso. Resolvi não pressioná-lo, porque já sabia da minha opinião de que a licença seria a melhor solução para ele - contou Lobão.

Seis anos depois, Renan repete o gesto de um antigo aliado, o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), que se licenciou da presidência do Senado em 2001 em meio a uma crise política provocada por embate com o então colega Antonio Carlos Magalhães. Na época, Jader planejava se afastar do cargo por 60 dias, mas, antes de esgotar esse prazo, foi obrigado a renunciar ao mandato para não ser cassado. Jader foi um dos que sempre defenderam que Renan não deveria abrir mão da cadeira de presidente.

Renan deixou o gabinete da presidência às 19h45m. Cercado pela imprensa, ele foi protegido por um cordão de isolamento feito por seguranças da Casa que informavam sua disposição de não dar entrevistas. Mas, antes de pegar o elevador privativo, confirmou que estava indo para Alagoas, para se encontrar com a família, e reclamou mais uma vez do tratamento recebido da imprensa.

Enquanto Renan gravava seu pronunciamento, a segurança do Senado isolou todos os acessos a seu gabinete, permitindo a entrada apenas de funcionários. Por alguns minutos, os dois telões do Salão Azul, onde seria transmitida a fala de Renan, chegaram a ser desligados pela TV Senado, numa tentativa de esvaziar o local e permitir sua saída sem tumulto.

Lula afirma que a crise era do Senado

Após Renan oficializar a licença, o presidente Lula, por meio de sua assessoria, afirmou:

- Sempre disse que a crise do Senado era do Senado. A solução deveria vir do Senado, e foi o que aconteceu.

Segundo o Palácio do Planalto, Lula não falou com Renan.

www.oglobo.com.br/pais