Título: O heói é fascista
Autor: Duarte, Mário Sérgio de Brito
Fonte: O Globo, 12/10/2007, Opinião, p. 7

Ocano de uma espingarda calibre 12 é apontado para a câmera, para o espectador, e o gatilho acionado. ¿Tropa de elite¿ é um tiro de calibre 12 na cara para estragar mesmo o velório. É um tiro na cara da malandragem, mas também na nossa ingenuidade.

O filme não é fascista. Inspirado em fatos reais, é apenas uma denúncia vigorosa contra o tráfico nas favelas do Rio, a violência policial e a corrupção na PM, que já chega a níveis mais altos da corporação. Um coronel saboreia um camarão enquanto os PMs arrecadam propinas do tráfico, do bicho, de clínicas de aborto e de bordéis. O filme conta a história do capitão Nascimento, no combate ¿enxuga gelo¿ contra o tráfico, feito pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), que se tornou uma das mais bem treinadas tropas de elite do mundo em terrenos irregulares como o das favelas.

O filme só é fascista para quem se ofende com alguns debates que suscita, como o da falência total da polícia como órgão fiscalizador da sociedade e o da cumplicidade dos usuários de drogas ilícitas com o tráfico. O protagonista, o capitão Nascimento, brilhantemente interpretado por Wagner Moura, sim, seria um excelente camisa-preta de Mussolini, justamente por sua moral decadente. Ele tem a mesma visão de seus pares, amparada em estereótipos construídos ao longo da atividade nas ruas. Muitos policiais tentam simplificar o mundo que enfrentam no cotidiano, com clichês do tipo ¿favelado é tudo bandido¿, ¿playboy é tudo safado¿, ¿ONG é tudo picareta¿, ¿policial é tudo corrupto¿. Mas não se pode dizer que todo policial é fascista.

O capitão Nascimento ganhou boa parte do público porque age como um messias vingador, aquele que muitos de nós buscam para acabar com a violência em seis meses. Ele é um protótipo de herói contemporâneo, em que o mundo não é mais dividido entre bandidos e mocinhos, entre esquerda e direita e, há quem acredite, entre ricos e pobres. Torturador e assassino, Nascimento dá tapa na cara como agiota cobra juros. Prega a honestidade e simplifica o sistema penal ao ser policial, promotor e juiz, ao mesmo tempo. Só que a moral do capitão não resiste. Seu fervor contra o crime não cabe dentro das leis. Sua honestidade a toda prova com o tempo vai sucumbir porque não existe policial violento e que desrespeita as leis que não seja corrupto, e vice-versa. Policiais que acreditam que podem combater o crime usando métodos perversos nunca serão limpos porque a violência também é uma forma de corrupção moral. Nunca serão.

JORGE ANTONIO BARROS é jornalista e autor do blog Repórter de Crime (www.oglobo.com.br/ancelmo/reporterdecrime).