Título: Brasil é recordista de ações contra jornalistas
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 12/10/2007, O País, p. 12

Autores são, na maioria, pessoas públicas criticadas por corrupção; processos são usados para censurar e intimidar.

SÃO PAULO. Um diagnóstico feito pela ONG Article 19 - organização internacional de defesa da liberdade de expressão, baseada na Inglaterra - mostra que o Brasil é recordista em processos contra jornalistas, num grupo de cem países. Os dados apontam que existe, em média, uma ação de indenização por danos morais contra cada jornalista brasileiro que atua em um dos cinco grandes grupos de comunicação do país (Organizações Globo, Folha, O Estado de S.Paulo, Editoras Três e Abril). Os autores das ações, em sua maioria, são pessoas públicas criticadas por corrupção ou comportamento ilícito pelos jornalistas, segundo a ONG.

A análise é baseada em pesquisa do site "Consultor Jurídico" e entrevistas próprias. Contra o total de 3.327 jornalistas desses cinco grupos empresariais, existiam, até abril, 3.133 processos por danos morais. O levantamento, chamado "Mapa da difamação", será lançado em novembro.

- Há países mais restritivos na liberdade de expressão, ou onde os jornalistas demonstram maior despreparo, mas o Brasil é o campeão na proporção de um processo para cada jornalista. Chama a atenção a relação direta com denúncias de corrupção. Os reclamantes geralmente são pessoas públicas que não admitem críticas, comportamento que contraria as normas internacionais de liberdade de imprensa. Há muito abuso de poder (contra os jornalistas) - disse a representante da ONG no país, Paula Martins.

"É a velha repressão que mudou de estratégia"

Segundo o levantamento, o Supremo Tribunal Federal tem rejeitado cerca de 80% dos pedidos de indenização. Decisões de primeira instância, que acabam anuladas na instância superior, porém, têm funcionado como censura, diz a ONG. Muitas liminares proíbem a publicação de informações e só são revogadas depois em instâncias superiores.

- O país demonstra viver novo tipo de repressão à mídia livre. A censura direta acaba, a violência física diminui, mas as ações inibidoras crescem. É a velha repressão que mudou de estratégia - diz Paula Martins.

A entidade sugere reformulação das leis. "Indenizações devem ser utilizadas só quando outras soluções forem insuficientes", diz o relatório. Para a Article 19, poderia haver reparações na área cível, sem multas.

"A legislação brasileira sobre liberdade de expressão é, na melhor das hipóteses, incompleta, e na pior, seriamente problemática", afirma a ONG, que pede um marco regulatório da liberdade de expressão.

O levantamento mostra que 4,2% dos processos foram ajuizados na área criminal. O valor médio das indenizações cíveis pedidas foi R$80 mil.

- Há pessoas se aproveitando da permissividade. Usam a Justiça como escudo para tentar se defender, inibir denúncias ou ganhar dinheiro - diz Márcio Chaer, do "Consultor Jurídico", frisando que nem todos os autores das ações são desonestos. - É impossível não cometer erros, e jornalistas os cometem. Mas o dano moral do jornalista deveria ser tratado como acidente de trabalho.

A pesquisa diz que, entre 1993 e 2007, houve aumento de 42.700% nas ações por dano moral de todo tipo e não só contra a imprensa. Anualmente, o Superior Tribunal de Justiça recebe dez mil processos por dano moral. A estimativa é que a Justiça brasileira receba um milhão de ações desse tipo por ano.