Título: Um terço dos acidentes envolve caminhões
Autor: Escóssia, Fernanda da e Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 12/10/2007, O País, p. 13

Entrevistados em pesquisa, 41% dos caminhoneiros disseram estar alcoolizados no momento da batida.

Nas estradas brasileiras, a imprudência anda de caminhão. A tragédia de anteontem, em Santa Catarina, foi mais uma a entrar para a triste estatística: do total de acidentes nas estradas, mais de um terço (36%) envolve veículos de carga. A falha humana é causa de 66% dos desastres. E mais: nos acidentes com vítimas, 41% dos motoristas disseram estar alcoolizados. O resultado está na pesquisa "Custos e causas dos acidentes rodoviários: o Brasil e o mundo", organizada pala Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com dados de 2005.

Tombamento é o tipo de acidente mais freqüente

O tipo de acidente mais comum, segundo a pesquisa, é o tombamento (47%), em seguida aparece o abalroamento (27%). Do total de tombamentos, 28% acontecem em curvas fechadas. No acidente duplo de quarta-feira, 27 pessoas morreram em conseqüência da imprudência. O motorista do segundo caminhão envolvido na tragédia foi preso em flagrante sob acusação de homicídio doloso (com intenção de matar). Segundo testemunhas, ele estava a mais de 100 km por hora.

- O caminhão mata muito mais do que o avião, apesar de os acidentes aéreos terem mais repercussão - afirma o engenheiro Paulo Fleury, coordenador do estudo na Coppead.

Depois da falha humana, as causas mais apontadas para os acidentes envolvendo transporte de carga são as características da via (47%) e o defeito mecânico (11%). A imprudência (43%) é a principal causa dos erros humanos ao volante. Entre os motoristas envolvidos em acidentes, 57% disseram estar em velocidade incompatível.

A situação de Roseni Ferrari, motorista do caminhão que invadiu a área onde era feito o socorro do primeiro acidente, em Santa Catarina, é comum entre os caminhoneiros. Assim como no caso dele, da frota de 923 mil caminhões, 722 mil pertencem a autônomos, segundo a Federação Interestadual dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens (Fenacam).

O professor Paulo Fleury, que, para fazer a pesquisa, reuniu dados dos ministérios dos Transportes e da Saúde e de uma seguradora de transportes de carga, a Pamcary, estima que, em média, 11% dos acidentes envolvendo caminhões resultem em morte. Para ele, as estradas bem pavimentadas, mas mal sinalizadas e com erros de curvatura, acabam contribuindo para agravar os acidentes.

A velocidade também agrava as conseqüências dos desastres. Entre os que resultaram em mortes, 21% foram causados por velocidade incompatível. Já nos sem vítimas, 10% estavam em alta velocidade.

Contribuem ainda para a equação que leva às catástrofes a idade média da frota nacional - que é de 24 anos (nos países desenvolvidos, a média é de 12) -, a falta de treinamento e a excessiva carga de trabalho a que são submetidos os motoristas.

- Não existe legislação ou controle sobre isso. E a que existe é burra. Lá fora, quanto mais velho o automóvel, mais caro se paga o imposto. Aqui no Brasil é o contrário. E isso incentiva a compra do veículo velho - afirma Fleury.

"As autoridades fazem vista grossa", diz sindicalista

O presidente da Fenacam, Diumar Bueno, sustenta que a exploração do trabalho dos motoristas os submete a um risco ainda maior de cometer imprudências. A carga horária de um caminhoneiro varia entre 16 e 18 horas diárias. O ideal, para Diumar, é 12 horas.

- As autoridades fazem vista grossa. O país está falido no que tange à estrutura de fiscalização. Hoje, os caminhoneiros são tratados como burros de carga. O mercado é perverso. Normalmente os que chegam mais cedo ao destino recebem uma bonificação das empresas para quem prestam serviço. Por isso, saem em disparada - disse o Diumar, reconhecendo que os entorpecentes acabam se tornando um recurso para o motorista se manter acordado:

- Uma coisa leva a outra. O que começa errado termina errado. O condutor está exposto a uma série de situações que levam a essas estatísticas - disse Diumar.

Diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, José Montal lembra que o nível de pressão a que os motoristas são submetidos é alto.

- Para resistir, eles têm que sacrificar o organismo e muitas vezes precisam tomar droga.

Aprovada em janeiro de 2007, a lei 11.442 fixa em 10 horas a carga horária-limite de trabalho. A lei, que ainda está sendo regulamentada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) também cria normas para o trabalho dos motoristas autônomos.

- Até a aprovação da lei, qualquer um que quisesse entrava aleatoriamente no sistema como autônomo ou como dono de empresa.