Título: No Sarah, o drama dos sobreviventes
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 13/10/2007, O País, p. 9

Maioria dos pacientes do hospital em Brasília sofreu acidente de trânsito.

BRASÍLIA. Ao acordar do acidente, a estudante de direito Luciana Lambert só conseguia mexer os olhos. Ela voltava para casa sozinha, depois de uma longa jornada de aulas e trabalho, quando adormeceu ao volante e bateu em alta velocidade na traseira de um caminhão. A colisão parou a Rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo, numa madrugada de sábado de maio de 2004. Depois de reanimar a jovem, os médicos do pronto-socorro informaram à família, com pesar, que uma lesão na medula a deixara tetraplégica. Aos 22 anos, ela entrava para o grupo cada vez maior de brasileiros com seqüelas permanentes de acidentes de trânsito.

As cem mil pessoas com lesões incapacitantes a cada ano equivalem a quase três vezes o número de mortos nas estradas do país.

¿ É a face oculta dos acidentes. Fala-se muito nas vidas perdidas, mas pouca gente tem dimensão da tragédia dos sobreviventes ¿ diz o sociólogo Eduardo Biavati, autor de livros sobre comportamento no trânsito.

Os registros da Rede Sarah de hospitais, referência nacional em reabilitação, mostram a extensão do drama. Nas duas unidades de Brasília, colisões e atropelamentos respondem por 42,9% dos atendimentos de traumas ¿ mais que a soma das lesões por quedas, tiros e contusões na prática de esportes. Metade das vítimas são jovens entre 15 e 29 anos, que passam a lidar com limitações físicas para o resto da vida.

¿ A medicina tradicional costuma avaliar o paciente pelo que ele perdeu. Nós trabalhamos com o que ainda pode ser recuperado ¿ explica o diretor do Sarah, Aloysio Campos da Paz.

Lesões mais graves, como as que atingem o cérebro e a medula, representam uma viagem sem volta. Por mais que recupere parte da capacidade de raciocínio e dos movimentos, a vítima nunca volta ao estado anterior ao acidente. O tratamento é considerado bem sucedido quando o paciente consegue se reintegrar ao convívio social e ao mercado de trabalho.

É o caso de Luciana, que aos poucos reaprendeu a mover os braços e cumprir, com a ajuda de equipamentos adaptados, tarefas cotidianas como digitar no computador e comer com talheres. Nos últimos três anos e meio, presa à cadeira de rodas, ela concluiu o curso e começou a trabalhar num escritório de consultoria jurídica. Mas ainda é obrigada a deixar São Paulo periodicamente para continuar o tratamento na capital.

¿ Sempre volto com um nova missão para os fisioterapeutas ¿ orgulha-se a jovem, cuja recuperação inclui oficinas de pintura e jogos de tênis de mesa.

O exemplo da advogada anima a família do paulista Anselmo Gonçalves, de 23 anos, cujo acidente completa três anos este mês. A lesão no cérebro deve impedi-lo de retomar o emprego de assistente num laboratório farmacêutico. Mas ele aprendeu a escrever com a mão esquerda e, depois de sessões de fonoaudiologia, já consegue falar com frases longas e articuladas.

¿ Cada novo passo é uma vitória ¿ comemora a diretora-executiva do Sarah, Lúcia Willadino Braga.