Título: A inflação que volta a fazer sombra
Autor: Duarte, Patrícia e Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 13/10/2007, Economia, p. 21

Depois de 2 anos, IGPs ameaçam bolso e devem pressionar aluguéis, energia e telefonia

Depois de passarem os últimos dois anos quase esquecidos, registrando variações baixinhas, os Índices Gerais de Preços (IGPs) voltaram a ameaçar o bolso dos brasileiros. Fortemente influenciados pelo comportamento de produtos no atacado, os indicadores absorveram sobretudo a alta de commodities agrícolas e metálicas e dispararam. Segundo as projeções do mercado, eles deverão registrar, em 2007, alta de 5,5%, o que significa uma inflação 37,5% maior do que os 4% esperados para o IPCA (índice oficial, que reflete somente os preços cobrados do consumidor).

A má notícia que acompanha esse cenário é que IGP-M e IGP-DI são indexadores, diretos ou indiretos, de despesas que consomem, em média, 18,7% do orçamento residencial - mas a participação pode chegar a 23% para as famílias com renda entre R$600 e mil reais. O principal impacto será no aluguel de imóveis, que, sozinho, representa, em média, 13,54% dos gastos domiciliares, segundo o IBGE. O IGP-M continua sendo o índice adotado na maioria dos reajustes anuais previstos em contrato.

De forma menos agressiva, as tarifas de energia, de telefonia fixa e de celular também serão influenciadas, em 2008, pelo quadro atual. Até o ano passado, o reflexo era integral. Agora, esses preços administrados têm índices setoriais - mas os IGPs ainda são parte da fórmula.

Não à toa, o advogado Antônio Jonas Madruga está preocupado. Vivendo de aluguel em Brasília, que ostenta o maior custo de vida do país, ele já sabe que o próximo reajuste, previsto para março, será maior do que o aumento de renda que estima ter em 2008.

- Não senti um aumento tão forte nos últimos reajustes, mas a próxima revisão será bem diferente - disse Madruga, cuja percepção está associada ao fato de o IGP-M ter registrado altas de apenas 1,2% e 3,85% em 2005 e 2006, respectivamente.

Economista: risco maior de inércia

Madruga compromete 30% da renda com aluguel, um percentual que ele considera alto, com razão. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, os domicílios com rendimento entre R$400 e R$600 são os que têm o maior gasto com pagamento pela moradia, de 17,71%.

Uma saída, recomenda o presidente do Secovi-SP (sindicato que representa o setor imobiliário), João Crestana, é a negociação, buscando aumentos um pouco menores ou jogando para alguns meses à frente a data do reajuste.

- É preciso ter bom senso. Muitas vezes, é melhor garantir um inquilino que pague em dia do que trocar por outro que pague mais e arriscar - disse Crestana.

Para ele, um reajuste de 5,5% ainda é pequeno, mas o importante é que não se repita anualmente.

- A boa notícia é que os IGPs estão sendo cada vez menos usados para correção (de preços) de alguns contratos (de serviço), embora ainda existam muitos que seguem seu comportamento - avalia Jean Barbosa, economista da consultoria Tendências.

Nas tarifas públicas, por exemplo, o impacto está cada vez mais diluído desde a criação de novos indexadores. O economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles, cita o índice setorial de telefonia fixa, adotado a partir deste ano pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Segundo ele, para cada dois pontos percentuais de variação do IGP-M, o indicador sobe 0,12 ponto.

No caso da conta de luz, por ser um ano de revisão tarifária - quando uma avaliação mais profunda das contas da distribuidora é feita -, em muitos casos as tarifas têm sido reduzidas, às vezes em mais de 10%. Neste caso, na avaliação dos especialistas, a escalada dos IGPs impede quedas ainda maiores. Os IGPs também influenciam tabelas como as dos pedágios de rodovias privatizadas.

Há, ainda, outras formas de contaminação da inflação a partir da disparada dos IGPs. Como o peso do aluguel e das tarifas é muito alto no bolso, isso significa que esses itens igualmente representam muito dos índices de preços ao consumidor, que têm como base a composição do orçamento familiar.

O aluguel de imóveis, por exemplo, corresponde a 2,7% de todo o IPCA, indicador adotado pelo governo para a meta de inflação que orienta a política de juros do Banco Central (BC). Se forem adicionados à equação os pesos de energia e telefonia, os índices gerais afetam, direta e indiretamente, 9,82% do IPCA. O mesmo vale para outra taxa, o INPC. Ambas são usadas como parâmetros nas negociações salariais.

- O que pode acontecer é os IGPs gerarem inércia maior na inflação. Vai somando aqui, vai somando ali, aparece o risco de acabar tendo um número (de inflação) significativo - admite o economista Elson Teles.

Desvalorização do dólar ameniza altas

A pesquisa Focus do BC mostra que, há dez semanas seguidas, o mercado vem puxando para cima as expectativas do IGP-M, que passaram a 5,3%, e as do IGP-DI, para 5,55%. Em 2006, eles fecharam em 3,85% e 3,8%, respectivamente. O principal impulso à subida é sobretudo dos alimentos, que saltaram significativamente nos últimos meses.

Na primeira prévia de outubro, o IGP-M registrou alta de 0,85%, a maior desde fevereiro de 2003. O cenário só não é pior porque o real continua se fortalecendo frente ao dólar - mais de 15% apenas neste ano -, freando maiores escaladas dos IGPs, uma vez que refletem muito a evolução do câmbio nos preços do atacado (que representam 60% da taxa).