Título: O aquecimento virou um tema estratégico
Autor:
Fonte: O Globo, 13/10/2007, O Mundo, p. 26

O climatologista José Marengo, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe), é um dos representantes do Brasil no IPCC. Segundo ele, a premiação dá mais credibilidade ao painel e serve como mensagem aos céticos, que ainda não acreditam no impacto das mudanças climáticas.

Carlos Albuquerque

Qual a importância dessa premiação?

JOSÉ MARENGO: Ela mostra que as mudanças climáticas não são mais um tema restrito aos meios científicos e sim de interesse geral. Serve também como uma mensagem aos céticos, que não acreditam nos relatórios do IPCC e acham que seus integrantes manipulam os dados. O Nobel dá mais credibilidade ao nosso trabalho

O que significa ganhar o prêmio ao lado de Al Gore?

MARENGO: O filme apresentado por ele mostra evidências que o IPCC já tem revelado ao longo dos anos. Algumas dos assessores de Gore são membros do IPCC. O filme tem ajudado a levar a mensagem do IPCC para o leigo, que não acompanha os noticiários de ciência. O painel é científico. O filme tem um lado hollywoodiano. Foi uma junção perfeita.

O senhor acha que a premiação vai colocar mais pressão em George W. Bush e no seu sucessor, para que os EUA, enfim, ratifiquem o Acordo de Kioto e participem da elaboração do novo tratado?

MARENGO: Acredito que sim. Mas vale ressaltar que a maioria dos pesquisadores do IPCC é dos Estados Unidos. E eles já têm tido uma participação ativa em seu país. De qualquer forma, acho que o Nobel vai, sim, dar mais evidências para que Estados Unidos e também a Austrália se decidam a favor de um novo acordo, nos moldes de Kioto.

Qual a ligação entre mudanças climáticas e a paz mundial?

MARENGO: O aquecimento global já deixou de ser um assunto meramente científico e está se tornando um tema estratégico. As mudanças climáticas podem causar problemas sociais, como os refugiados ambientais. Se não tomarmos medidas mitigadoras, poderemos ter problemas no futuro. Já lutamos por petróleo. Amanhã, poderemos lutar por água e alimentos. Isso significa uma coisa: guerra.

E para os cientistas do Brasil que, como o senhor, integram o IPCC, qual o impacto desse prêmio Nobel? Vai servir para pressionar ainda mais o governo para que reduza os desmatamentos e combata as queimadas na Floresta Amazônica?

MARENGO: Sem dúvida. O Brasil já tem sido bastante ativo dentro do painel. E o governo brasileiro também tem trabalhado para reduzir o desmatamento. Mas ainda há muito a ser feito. Como disse, o prêmio serve para mostrar que os alarmes não são parte de uma conspiração política, mas de uma realidade que temos que enfrentar agora.