Título: Os fantasmas do mar do Caribe
Autor:
Fonte: O Globo, 13/10/2007, Ciência, p. 28

Temperatura da água aumenta e recifes de coral perdem a cor.

SAN JUAN. Aos 54 anos, Miguel ¿Chan¿ Dávila traz no rosto sulcos lavrados pelo sol, marcas recorrentes naqueles que vivem da pesca no Caribe. Há muito tempo, Chan nota que algo estranho ocorre nas águas onde pesca desde criança. Os peixes foram ficando cada vez mais raros. Mas o mais dramático foi perceber que muitos recifes de corais haviam perdido suas cores vibrantes e passaram a ostentar um branco fantasmagórico.

¿ Eu achava que tinham ficado brancos por causa dos golpes que recebem das embarcações, mas um biólogo me explicou que era também pelo aquecimento global.

Os recifes de coral são o ecossistema marinho mais rico em biodiversidade e um dos mais produtivos da Terra, comparáveis às florestas tropicais. Os recifes são o habitat de muitos peixes de valor comercial. Do total produzido anualmente em Porto Rico, 70% vêm dos recifes, segundo o biólogo marinho Daniel Matos, do Laboratório de Estudos Pesqueiros do Departamento de Recursos Naturais e Ambientais.

A produção pesqueira na região vem caindo muito, por diversas razões. Mas, segundo especialistas, o aquecimento global e a destruição dos corais têm um papel importante nessa equação. O branqueamento dos corais ocorre quando a temperatura do mar se eleva por períodos prolongados. O estresse causado pelo calor e pela radiação ultravioleta faz com que os corais expulsem as algas simbióticas que vivem em seus tecidos, explica o biólogo marinho Edwin Hernández. As algas são responsáveis não só pela cor, mas também pelo fornecimento de alimentos. Quando elas somem, os peixes vinculados a esse ecossistema também tendem a desaparecer.

O processo aconteceu em várias áreas do mar de Porto Rico, sobretudo em 2005 e 2006, como mostram estudos feitos na região.

A temperatura ideal para a sobrevivência dos corais do Caribe é de 28,5 graus Celsius. Em 2005, no entanto, chegou a 31,8 graus durante 15 semanas. Em 2006, se manteve em 29 graus e persiste na média este ano. Embora pareça uma alteração mínima, a diferença já provocou problemas, como explicou o biólogo.

O ligeiro aumento das temperaturas provocou uma mortandade de corais que, em algumas áreas, chegou 85%. O mais grave é que grande parte dos corais mortos pertencia a espécies vitais para o desenvolvimento da estrutura dos recifes.

Tamanha mortandade não se registou em outros países da região caribenha, como Venezuela, México e Cuba.

¿ Mas o que ocorreu em Porto Rico é uma mostra do que, cedo ou tarde, acontecerá no restante dos países do hemisfério que têm recifes de corais, como apontam os prognósticos feitos por especialistas em mudanças climáticas ¿ afirmou Hernández.

O pescador Chan pode até não saber conceitualizar cientificamente as conseqüências das mudanças climáticas, mas seu testemunho dá um rosto humano a um problema que, para muitos, ainda é etéreo.

¿ A pesca não é como antes e o clima anda muito estranho. Algo está acontecendo, algo muito diferente ¿ afirmou.