Título: O petróleo da discórdia
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 15/10/2007, Economia, p. 17
Venda de ativos da Exxon deve acirrar disputa regional entre Petrobras e PDVSA.
Com os ativos da Exxon à venda na América do Sul, pode ter início mais um capítulo da disputa entre a Petrobras e a venezuelana PDVSA por mercado e influência política na região. Do ponto de vista econômico, as duas petrolíferas teriam interesse nos ativos da multinacional, especialmente na Argentina, o segundo maior mercado sul-americano de derivados - fica atrás do Brasil. Pelo lado político, uma compra das instalações da americana Exxon pela PDVSA abriria caminho para a maior presença do chavismo no continente; ou, no caso de uma aquisição pela Petrobras, seria uma via para consolidar a posição do Brasil na América do Sul, contendo o avanço da aliança bolivariana.
Nem Petrobras nem PDVSA anunciaram publicamente seu interesse nos ativos da Exxon. A multinacional também não oficializou a venda. Analistas de mercado, porém, avaliam que as estatais estão se movimentando nos bastidores, embora com pesos distintos, em suas estratégias, das questões políticas e empresarias.
A Petrobras teria uma orientação mais de conquista do mercado. Assim, a compra dos ativos da Exxon na Argentina cairia como uma luva, tornando a empresa vice-líder na distribuição de derivados no país. Hoje, a Petrobras Energia - subsidiária da estatal brasileira na Argentina - ocupa o terceiro lugar, atrás de Repsol/YPF e Shell.
- As maiores margens da indústria petrolífera estão no refino e na distribuição, pois é onde há menos riscos. Os ativos da Exxon na Argentina são justamente nessa área. O real interesse das empresas vai depender do valor dos ativos e da política de preços do governo Kirchner - diz Alexandre Szklo, do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.
Varejo da Argentina estaria no alvo
A importância da Argentina para a Petrobras aparece em seu plano estratégico 2008-2012. A estatal reservou US$2,8 bilhões para o país. Individualmente, fora do Brasil a Argentina só perde para os EUA, que ficou com US$4,9 bilhões. Uma investida em refino e distribuição argentinos também acompanharia a intensificação das atividades nessas áreas nos países vizinhos. Em 2006, a Petrobras comprou 51% da distribuidora uruguaia Gaseba e mais de 200 postos de serviços em Uruguai, Paraguai e Colômbia que eram da Shell.
- Os investimentos no downstream (refino e distribuição) na América do Sul buscam aproveitar as sinergias existentes com a nossa produção integrada de combustíveis, firmando nossa marca e fortalecendo nossa liderança no continente - afirma o diretor da Área Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró.
Os planos de liderança da Petrobras esbarram na igualmente aspirante PDVSA. Por meio da subsidiária Interven Venezuela, a empresa tem como meta chegar a 600 postos de serviço na Argentina, pouco menos que os 698 sob controle da Petrobras Energia hoje. E a PDVSA também vem expandindo sua atuação em outros países. Tem planos de ampliar a refinaria La Teja, no Uruguai, para 60 mil barris diários; mantém acordos de intercâmbio do petróleo equatoriano por derivados de refinarias venezuelanas; e anunciou US$1,5 bilhão em projetos na Bolívia.
Professor de Relações Internacionais da PUC-SP e consultor da Prospectiva, Ricardo Sennes, avalia que, inevitavelmente, as duas empresas se encontrarão em licitações futuras:
- Inicialmente, a Petrobras buscou internacionalizar suas fontes de energia. Agora, busca internacionalizar mercados. Já a PDVSA, por abrigar uma das maiores reservas de petróleo do mundo, buscou desde cedo internacionalizar mercados, direcionando sua produção para os EUA. Mais recentemente, nota-se uma aproximação com a América do Sul, principalmente por questões políticas.
Uma possível disputa pelos ativos da Exxon não seria a primeira faísca entre as duas. Alguns analistas acreditam que uma das motivações da compra da Ipiranga pelo consórcio liderado pela Petrobras tenha sido o temor de que a empresa fosse adquirida pela PDVSA, o que fortaleceria a venezuelana na distribuição brasileira. A PDVSA tem uma pequena rede de postos na Região Norte.
PDVSA ocupa espaço da Petrobras
Cerveró admite que a PDVSA "poderá ser competitiva, caso venha a se estabelecer como vendedora de combustíveis nos países onde atuamos no downstream", mas não teme o avanço. Ironicamente, é nos países onde ela vem crescendo que a Petrobras perde terreno, notadamente nas duas nações aliadas do presidente venezuelano, Hugo Chávez, em seu projeto de integração regional, a Alternativa Bolivariana das Américas (Alba).
Na Bolívia, a Petrobras transferiu as duas refinarias em seu poder à estatal local YPFB e se retirou da distribuição, após as medidas nacionalistas do presidente Evo Morales. No Equador, está em compasso de espera, após o anúncio de aumento da tributação sobre empresas estrangeiras. A Argentina, cujos títulos da dívida já foram comprados pela Venezuela, poderia ser mais uma frente perdida. Embora Cerveró assegure que não deixará qualquer desses países, há quem vislumbre uma retração da Petrobras.
- Com o aumento do risco político na América do Sul, a Petrobras tende a se voltar para mercados mais seguros, como os EUA - avalia o analista de petróleo e gás Luiz Otávio Broad, da Ágora Sênior.
De fato, a Petrobras vem ampliando suas atividades nos EUA. No ano passado, comprou 50% de uma refinaria no Texas, e já tem 300 blocos exploratórios na porção americana do Golfo do México. Há a intenção ainda de atuar no varejo. A PDVSA já está presente no mercado de distribuição americano com seis refinarias, com capacidade para 1 milhão de barris, e 9 mil postos de serviço no país.
Rivalidades à parte, os especialistas afirmam que há espaço para cooperação. PDVSA e Petrobras são parceiras no projeto da Refinaria Abreu e Lima (PE) e no projeto de produção de óleo pesado na Faixa do Orinoco, na Venezuela.