Título: Indústria no teto não inflaciona e ainda investe
Autor: Oliveira, Eliane e Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 15/10/2007, Economia, p. 19

Uso da capacidade instalada mantém-se elevado, porém não em nível suficiente para gerar descontrole nos preços.

BRASÍLIA. O desempenho da indústria brasileira em agosto superou todas as previsões e trouxe euforia para a equipe econômica do governo. Os dados apontam um detalhe auspicioso: mesmo com a forte expansão, o nível de utilização de capacidade instalada (que mede quão próximo as instalações da indústria estão de seu limite) manteve-se estável em 82,3%, abaixo do recorde de 2004 (83,3%). É um patamar alto o bastante para incentivar novos investimentos por parte dos empresários, mas não elevado suficiente para provocar um repique inflacionário.

O nível de utilização da capacidade instalada é acompanhado com atenção pelo Banco Central (BC). Na quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC decide qual será a nova taxa básica, a Selic, e a autoridade monetária tem demonstrado preocupação com o aquecimento da economia.

Mas os investimentos da indústria têm crescido consistentemente nos últimos 23 trimestres e, segundo o setor produtivo, estão ficando prontos gradativamente. Isso significa que cresce a oferta de produtos por parte das indústrias, que se tornam aptas a atender o crescente consumo. Enquanto não há um encontro perfeito entre capacidade e demanda, as importações preenchem a lacuna.

US$65 bi para ampliar capacidade só este ano

José Ronaldo Souza Junior, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra que a demanda está muito forte, o que justifica a preocupação do BC:

- A maturação dos investimentos pode ser rápida para alguns produtos, mas também demora em setores estratégicos. Por isso, o BC tem que ficar atento a esses prazos.

Mas, para o setor produtivo, o cenário mudou em relação a 2004, quando o BC subiu os juros para conter pressões inflacionárias alegando que o aquecimento da economia e a elevada utilização da capacidade instalada poderiam pressionar a inflação. Hoje, o setor de bens de capital (máquinas e equipamentos) está em franca expansão e prevê uma alta em seu faturamento, este ano, de até 14%. Isso significa fazer investimentos de US$65 bilhões na ampliação da capacidade produtiva. De janeiro a agosto, as vendas subiram 11,7% em relação ao mesmo período de 2006 - a vedete é o agronegócio brasileiro (42,5%), mas todos os segmentos registram alta.

- O segundo semestre é sempre mais forte. O consumo aparente (produção interna mais importações, descontadas exportações) cresceu 18%, mais pela importação - afirma Luiz Aubert Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Bens de Capital (Abimaq).

Cresce importação de máquinas e equipamentos

Ele concorda que a conclusão dos projetos varia de acordo com o setor e leva, em média, de seis meses a um ano. No caso de instalação de novas indústrias, o período é bem maior.

De acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), não faz sentido pensar em risco de aumento de preços devido ao aquecimento da economia. O economista-chefe do Iedi, Edgard Pereira, destaca que a produção industrial está crescendo a taxas maiores do que a capacidade instalada - 5,3% contra 2,1%.

- A expectativa é que, para os próximos meses, o grau de utilização da capacidade instalada se mantenha ou mesmo venha a cair um pouco - diz.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, afirma que o setor deve crescer 12% este ano. Ele é outro que descarta repiques inflacionários por causa da demanda interna. A principal razão, explica, é que o câmbio valorizado faz com que os preços dos importados sejam mantidos baixos.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base e Infra-Estrutura (Abdib), Paulo Godoy, destaca que cresceu, particularmente, a venda de máquinas e equipamentos sob encomenda. Mas ele reconhece que os produtores nacionais não conseguiram atender à demanda de todos os setores e, por isso, aumentam as importações de bens de capital.

As compras externas, segundo ele, são puxadas, principalmente, pelo setor de papel e celulose. Segundo dados da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), o consumo per capita de papel passou de 39,5 quilos por habitante em 2005 para 42 quilos este ano. Godoy alertou que, embora esse movimento garanta a ampliação da capacidade produtiva, as importações abrem brecha para os concorrentes externos se firmarem no mercado, especialmente os da China.

- Trabalhávamos com um superávit na balança comercial de bens sob encomenda, mas isso começa a se inverter - acrescenta Godoy.