Título: Fraude em escala global
Autor: Batista, Henrique Gomes e Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 17/10/2007, Economia, p. 27

OPERAÇÃO PERSONA

PF e Receita prendem 40 em esquema que envolvia americana Cisco. Prejuízo é de R$1,5 bi.

Pela primeira vez, a Receita Federal e a Polícia Federal (PF) desvendaram um esquema de fraude que tem indícios do envolvimento central de uma multinacional americana: a Cisco Systems, umas das líderes mundiais em soluções e equipamentos de rede de internet. O esquema pode ter provocado prejuízo de R$1,5 bilhão aos cofres públicos nos últimos cinco anos (entre tributos não pagos, multas e correção). Na Operação Persona, que envolveu 650 agentes, foi preso ontem o presidente da Cisco do Brasil, Pedro Ripper, enquanto tentava comprar um jatinho no Rio. Mais 39 funcionários públicos, empresários e empregados de 30 firmas acusadas de envolvimento num esquema de importações fraudulentas de produtos de informática e tecnologia foram detidos.

- O que impressionou foi o envolvimento da multinacional, que é a beneficiária final do esquema, que conseguiu colocar no mercado brasileiro produtos a um preço muito inferior (50%, em média) ao que deveria ser cobrado - afirmou Gerson Schaan, coordenador-geral de Pesquisa e Investigação do Fisco, a divisão de inteligência do órgão arrecadador.

Também será apurado se os clientes da empresa, grandes grupos brasileiros, participavam conscientemente da fraude. A PF pediu ainda a prisão de cinco brasileiros nos EUA, cúmplices nas exportações ilegais para o Brasil, e a investigação de dirigentes da matriz da Cisco. As investigações estão sendo aprofundadas pela Polícia Fazendária americana.

O ministro da Justiça em exercício, Luiz Paulo Barreto, afirmou que, além dos efeitos fiscal e criminal da operação, a descoberta da quadrilha tem forte impacto econômico, ao evitar a concorrência predatória e ajudar a proteger o mercado de trabalho no país:

- A indústria brasileira de informática e produtos de telecomunicações já sofre pesadamente com a concorrência desleal do descaminho e estava sofrendo pesadamente com esse esquema. Isso estava causando imensos prejuízos à indústria brasileira e ao emprego.

O esquema desbaratado envolvia cerca de 30 empresas em São Paulo, Rio e Bahia, além dos EUA. Os produtos da Cisco chegavam ao consumidor final a um custo 50% inferior aos similares nacionais. A Receita e a PF - que não confirmam os nomes das empresas envolvidas - apreenderam diversos ativos do grupo: 18 carros, US$290 mil em espécie, R$250 mil em dinheiro, US$10 milhões em mercadorias e outros R$45 milhões no depósito da Mude, maior representante da Cisco no Brasil e principal operadora do esquema.

A Operação Persona também resultou em 44 pedidos de prisão no Brasil, dos quais 40 haviam sido cumpridos até a tarde de ontem, em São Paulo, Salvador, Campinas, Rio, Ilhéus e Santos. Entre os presos, além de Ripper, estão o presidente da Cisco para América do Sul, Carlos Alberto Carnevali, e pelo menos um diretor da multinacional. A Cisco do Brasil não confirmou a prisão de Ripper. Disse apenas que está cooperando com as investigações. Segundo fontes ligadas à operação, a PF também prendeu Rafael Steinhauser, que foi presidente da Cisco do Brasil até um ano atrás. Também foram presos o presidente da Mude, Moacir Álvaro Sampaio, e mais 16 diretores e funcionários da importadora.

Nos EUA, a matriz da Cisco informou, no fim da tarde, que a pessoa indicada para falar sobre o caso estava em Londres. O porta-voz não foi localizado. A Cisco do Brasil retirou do site da empresa, após a publicação de notícias identificando a companhia como a multinacional envolvida, os perfis dos executivos do grupo.

Investigação começou há 2 anos

Na lista de presos estão ainda seis auditores fiscais. Quatro estavam na ativa e dois eram aposentados. Com um deles, em Santos, a PF encontrou US$200 mil em espécie. Eles facilitariam o desembaraço de mercadorias, caso elas sofressem problemas ao chegar no Brasil. Os fiscais recebiam, segundo investigadores do caso, R$2 mil por processo de importação liberado. Eles chegavam a liberar dez por dia.

A delegada Érika Tatiane Nogueira, coordenadora da operação, afirmou que os órgãos atuavam no esquema há dois anos. Segundo ela, há dois pontos principais na fraude. Um é a divisão dos produtos, ainda nos EUA, em software e hardware, pois assim uma filial da Mude - que comprava da Cisco americana com descontos de até 70% - superfaturava os programas e subfaturava os equipamentos, que têm carga mais elevada ao chegarem ao país. Além disso, o esquema obtinha isenção do ICMS por simular montagem e adequação do produto final no Pólo de Informática de Ilhéus.

A PF começou a interrogar os presos ontem. Eles são indiciados por sonegação, corrupção, contrabando e evasão de divisas, entre outros crimes. A polícia tem indícios de que o grupo fazia remessas para o exterior em nome de offshores com sede em Panamá, Ilhas Virgens e Bahamas.

COLABOROU Lino Rodrigues