Título: Um doce dilema para a América Latina
Autor: D'Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 17/10/2007, Economia, p. 30

Banco Mundial: região vive situação privilegiada com ingresso forte de recursos.

WASHINGTON. Embora a situação ainda deixe a desejar, e haja muito trabalho pela frente para recuperar o atraso e oferecer melhores condições de vida aos seus cidadãos, a América Latina jamais esteve em situação tão privilegiada como a atual, segundo a avaliação do Banco Mundial (Bird). Ao medir os efeitos da atual crise financeira nos Estados Unidos e da Europa sobre a região, o novo economista-chefe do Bird para a América Latina, Augusto de la Torre, resumiu-os numa frase:

- O problema antes era administrar a escassez. Hoje o problema é administrar a abundância.

Ele definiu como um dilema a apreciação das moedas de muitos países da região, em especial o Brasil, graças em parte ao fato de estarem acumulando um volume invejável de reservas. Pela análise do Bird isso poderia, por um lado, ser nocivo às exportações mas, por outro, atrair ainda mais investimentos, uma vez que tal fenômeno reforça a confiança dos donos do capital.

- Mas esse, no fim, é o melhor dilema. É bem melhor do que administrar a escassez - insistiu De la Torre.

Segundo ele, o impacto financeiro da turbulência criada pelos Estados Unidos e pela Europa tem sido "bastante modesto" na América Latina. E ilustrou: os títulos da dívida da região comparados com os papéis de alto risco, que motivaram a crise nos países ricos, tiveram volatilidade muito menor - e já recuperaram os seus índices pré-crise.

Riscos existem, mas região é menos vulnerável, diz Torre

De la Torre ponderou que é preciso manter a precaução, uma vez que os riscos hoje aumentaram. Mas reafirmou que a região tem como se proteger e, por isso, está bem menos vulnerável.

- Ainda estamos estudando se o acúmulo de reservas é excessivo ou não. Problemas de educação, saúde, pobreza e infra-estrutura fazem com que a região não suporte uma torrente de influxos. Por isso é preciso administrar bem as entradas de dinheiro, pensando em investimentos de longo prazo. Mas esse é o melhor dilema - insistiu.

Por sua vez, o diretor de mercados capitais do FMI, Jaime Caruana, enfatizou que, embora a turbulência tenha reduzido a sua força, o período de ajustes levará um bom tempo, terá um grande custo "e contratempos ainda são possíveis". E completou:

- A boa notícia é que isso está ocorrendo com um crescimento global sólido como pano de fundo, especialmente nos mercados emergentes.

Segundo Peter Dattels, um dos pesquisadores que trabalham com Caruana, nas conversas do FMI com os grandes bancos - que sofreram o impacto da crise e vêm reduzindo a oferta de crédito - "não sentimos nenhuma indicação de que eles reduzirão as suas atividades na América Latina":

- É nos emergentes da Europa que estamos vendo algum estresse - completou.