Título: É sobrevivência na selva
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 18/10/2007, O País, p. 16

Motoboys criam faixas entre os carros, andam em alta velocidade e ameaçam motoristas.

SÃO PAULO. Anderson de Aquino, de 33 anos, percorre de moto 1.500 quilômetros por semana na cidade de São Paulo. São mais de cem horas semanais: das 7h à 1h, seis dias por semana, 250 km por dia, em dois empregos que rendem R$1.500 por mês e nenhum plano de saúde. A moto é uma CG-125 ano 2002. Caso demore mais de duas horas num percurso ¿ congestionado ou não ¿, Anderson pode perder o emprego.

Embora a capital paulista ¿ande¿, em média, a 16 km por hora, seus 160 mil motoboys triplicam a velocidade e os riscos. Criaram seus próprios corredores, no único espaço que sobra: a área de balizamento entre os veículos.

¿ Ai de quem não observar onde eles decretaram o corredor naquele momento! Eles quebram retrovisores, chutam carros, chamam os colegas para te espancar ¿ reclama o taxista Eduardo Fonseca.

¿ Se não nos deslocarmos em corredores, como faremos? Sou contra a violência, mas tem motoboy que é nervoso. O trânsito tem piorado, e a cidade está a cada dia mais selvagem. As pessoas, de todas as tribos, precisam se acalmar ¿ diz Anderson, motoboy há oito anos e vítima de um acidente que o imobilizou por seis meses.

As tribos ¿inimigas¿ dos motoboys são, além dos taxistas, motoristas de ônibus, ¿estrangeiros¿ (que não estão acostumados ao trânsito paulistano e ignoram os corredores) e ¿madames¿, que fazem filas duplas e falam ao celular enquanto dirigem, segundo os motoqueiros. Os motoboys formam uma espécie de corporação. Quando um motoqueiro é atropelado ou se envolve em confusão, todos se unem para pressionar o motorista.

¿ É sobrevivência na selva. Se não é o motoboy, São Paulo pára¿ diz Fabrício Holanda, de 23 anos, motoboy há um.

A selvageria é conhecida da Companhia de Engenharia do Tráfego de São Paulo, a CET. A responsável pelo setor, Nancy Schnneider, diz que São Paulo registra por dia 70 acidentes com vítimas, sendo 31 com motos. Em 2006, foram 1.487 acidentes com vítimas fatais na capital paulista, sendo que 380 deles vitimaram motoqueiros. As mortes crescem 10% ao ano. Em 2005, foram 345 motoqueiros mortos.

¿ São quatro mortes por dia no trânsito paulistano, sendo duas de pedestres, uma em veículos normais e uma de motoqueiros. As motos deixam 31 feridos por dia na cidade, além de um morto.

Nas principais vias paulistanas, como a Radial Leste e avenidas Rebouças, Consolação e 23 de maio, passam, por hora, entre 1.500 e 2.000 motos. Nesse movimento os motoqueiros criam suas faixas próprias, com os carros cercados por dois corredores de motos.

Legalmente, o corredor não é proibido pelo Código de Trânsito. A CET criou as faixas cidadãs, para evitar que os motoqueiros circulem entre as faixas e torná-los mais visíveis, principalmente para os veículos grandes, como ônibus e caminhões. Mas o uso não é obrigatório. Outra invenção paulistana foi o selo de trânsito seguro, certificando empresas de moto-frete que adotam práticas seguras, dão seguro-saúde aos motoboys e cuidam da manutenção dos veículos. São 22 empresas com o selo. Mas os resultados são poucos, e a CET quer uma saída legal para coibir os corredores:

¿ A lei define que cada motorista tem que andar na sua faixa e manter distância segura. Estamos indo para esse caminho em São Paulo.