Título: Acidentes de moto matam 18 por dia no Brasil
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 18/10/2007, O País, p. 16

Mortes já são consideradas uma epidemia; uso de motocicletas para frete ou táxi explica aumento de óbitos.

SÃO PAULO. Virou epidemia. As mortes causadas por acidentes com motos têm aumentado mais que as provocadas por muitas doenças epidêmicas, revelam três pesquisas obtidas pelo GLOBO. Todos os dias, pelo menos 18 pessoas morrem em acidentes de motos Brasil afora: em 2006, foram pelo menos 6.655 mortes em motos, 20% da matança diária do trânsito brasileiro (98 óbitos diários). Em 2001, a média era de 8,5 mortos em motos por dia. As taxas explodiram na última década: mais de 800% de aumento entre 1996 e 2006, de 0,4 para 3,6 por grupos de 100 mil habitantes.

Dois estudos foram realizados pelo Ministério da Saúde, e um terceiro pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). Para além dos números, o que preocupa pesquisadores e governo é a geografia do aumento: o mapa da tragédia não respeita o senso comum, que aponta São Paulo como capital dos motoboys. As motos matam mais no Nordeste e no Centro-Oeste, nas menores cidades, dizem duas pesquisas. Os grotões brasileiros têm trocado carroças e cavalos pelas motos, até para tanger o gado e cuidar da agricultura.

¿ As mortes em motos aumentam mais onde a fiscalização é menor e a obtenção das habilitações é mais fácil. A população de baixa renda tem adquirido motos de baixa potência (envolvidas em mais de 70% dos acidentes) ¿ diz o diretor do Departamento de Análise de Situação de Saúde do Ministério da Saúde, Otaliba Libânio.

Mortes na hora do trabalho

Para a pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) Maria Sumie Koizumi, outro fator é o aumento do uso de motos como táxis no interior do Brasil. Para Maria Sumie, co-autora do atlas dos acidentes de trânsito no Brasil desenvolvido pela Abramet, as mortes em acidentes de motos precisam ser consideradas também como acidentes de trabalho:

¿ Há um novo fenômeno no uso das motos. Em São Paulo há o motofrete (motoboys), e em outras regiões o que mais cresce é o mototáxi (proibido em São Paulo). Os acidentes de moto no Brasil estão muito relacionados aos acidentes de trabalho. A análise é empírica, porque faltam pesquisas que comprovando isso ¿ diz Maria Sumie.

Segundo a especialista, a frota nacional de motos tem distribuição diferente da de carros no país. As taxas maiores, considerando por número de habitantes, são Tocantins, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Isso se reflete também na quantidade de acidentes das mesmas regiões.

¿ Em Tocantins, são 8,1 mortos por ano para cada 100 mil habitantes. Os dados são de 2005, mas temos acompanhado, e o quadro piorou, com certeza. Estamos tentando fazer alertas. As leis até existem, mas faltam fiscalização e educação no trânsito ¿ disse a pesquisadora.

Outro aspecto alarmante demonstrado nas pesquisas é a faixa etária das vítimas: a população entre 15 e 39 anos tem morrido mais de acidentes de motos que de em outros veículos. No Nordeste e Centro Oeste, os índices são ainda mais assustadores. Desde 2006, pela primeira vez, os números superaram os óbitos em acidentes com carros. Em alguns estados, como Roraima e Tocantins, as taxas por 100 mil habitantes foram de 9,16 e 8,66, respectivamente.

Em 2006, em contagem ainda parcial, foram 6.656 mortes em motos (18 por dia). Em 2005 foram 5.974 mortes (16 por dia), contra 5.042 em 2004 (14 por dia), 4.271 em 2003 (11 por dia), 3.744 em 2002 (10 por dia) e 3.100 em 2001 (8 por dia). Em 2005, as mortes decorrentes de doenças causadas por protozoários (como mal de Chagas e verminoses diversas) mataram 5.428, e as infecções intestinais, 5.564 (15 por dia). Só a desnutrição matou em número semelhante: 6.876 em 2005.

¿ O que impressiona é a grande tendência de aumento nas mortes em acidentes de motos. Em 1980, a taxa de mortes (para grupos de 100 mil pessoas) era de 0,2. Em 2006, saltou para 3,6. E o pior é que todas as curvas indicam tendência de aumento¿ avalia Libânio.

Tanto para Maria Sumie quanto para Libânio, os governos precisam cuidar mais da educação no trânsito e apertar o cerco da fiscalização e do sistema de habilitações. O presidente da Associação Brasileira de Motociclistas, Lucas Pimentel, diz que, dentre dez milhões de motociclistas habilitados no país, 2,5 milhões servem como mototáxis e motofretes. Pimentel sugere mudanças no processo de habilitação:

¿ O motociclista precisa passar por simulações de situações perigosas e fazer cursos de pilotagem segura.