Título: PF indicia presidentes de Cisco do Brasil e Mude
Autor: Carvalho, Jailton de e Beck, Martha
Fonte: O Globo, 18/10/2007, Economia, p. 39

OPERAÇÃO PERSONA: Polícia concluiu interrogatórios, mas presos vinculados à multinacional se recusaram a falar.

Crimes dos 40 detidos vão de formação de quadrilha a corrupção. Delegada pensa em pedir prisão preventiva.

BRASÍLIA, SÃO PAULO, RIO e LONDRES. A Polícia Federal (PF) indiciou ontem os 40 presos da Operação Persona, entre eles os presidentes da Cisco do Brasil, Pedro Ripper, e da distribuidora Mude, Moacir Álvaro Sampaio. Na lista estão pelo menos mais dez executivos e sócios das duas empresas. Os acusados foram indiciados por crimes que vão de formação de quadrilha a corrupção. A delegada Erika Tatiana Nogueira, coordenadora da operação, já trabalha com a possibilidade de pedir a prisão preventiva dos suspeitos. A prisão temporária, decretada pela 4ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, termina no domingo.

Entre os presos indiciados, está ainda o presidente da Cisco para a América do Sul, Carlos Alberto Carnevali. Em menos de 48 horas após as primeiras prisões, a polícia concluiu os interrogatórios. Ripper, Carnevali e demais presos vinculados à Cisco se recusaram a responder às perguntas da PF e do Ministério Público. Disseram que falarão em juízo.

Os acusados foram indiciados segundo sua participação numa organização constituída para fraudar importações de produtos de informática e telecomunicações. Entre esses crimes estão contrabando, sonegação, falsidade ideológica, evasão de divisas, interposição fraudulenta, ocultação de patrimônio, uso de documento falso, formação de quadrilha e corrupção. A lista pode ser ampliada após análise do material apreendido em empresas e casas dos acusados.

A PF negou ontem que Carnevali tenha sido solto ainda na terça-feira. Segundo a polícia, logo depois de receber voz de prisão, ele passou mal e teve que ser levado a um hospital. Em seguida, foi conduzido para a carceragem da PF, em São Paulo. A PF negou também que tenha descoberto um plano de fuga ao exterior de executivos presos.

Importadoras estão em nome de pessoas de baixa renda

Ripper, Carnevali, Sampaio e os demais 37 acusados foram presos na terça-feira numa ação conjunta da PF e da Receita Federal. São acusados de usar a Cisco e a Mude para montar um esquema de importações ilegais dos EUA para o Brasil. Nos últimos cinco anos, o esquema resultou num prejuízo de R$1,5 bilhão aos cofres públicos, segundo estimativas da Receita. O cálculo leva em conta o imposto sonegado e multas a serem aplicadas às empresas. Também foram apreendidas mercadorias que somam R$70 milhões.

A expectativa da PF e da Receita é que a polícia americana aprofunde as investigações sobre a matriz da Cisco e as filiais da Mude nos EUA. A polícia pediu a prisão de cinco brasileiros que estariam em território americano. Um deles teria manifestado interesse em se entregar e retornar ao Brasil. A operação mostrou que cinco empresas nos EUA, envolvidas nas atividades ilegais, estão em nomes de brasileiros - daí os pedidos de prisão. Segundo fontes da Receita, são exportadoras que funcionam como laranjas, vendendo produtos fabricados para seis importadoras no Brasil, também laranjas.

Os técnicos do Fisco afirmam que as importadoras estão em nome de pessoas que não têm renda compatível com operações desse porte:

- São pessoas que têm renda baixa e moram em lugares simples - disse um funcionário.

Outras duas empresas situadas no Brasil funcionavam apenas como fornecedoras de notas fiscais. Pela fraude, a mercadoria chegava ao Brasil e ia para o galpão da empresa. Depois, outra nota fiscal era emitida, e os produtos seguiam para os verdadeiros compradores.

- O esquema era até mais disfarçado. Uma das laranjas tinha, de fato, um depósito, para parecer que importava as mercadorias - contou o técnico.

O Fisco estima que o retorno aos cofres públicos pode ser maior do que R$1,5 bilhão, pois, quando há grandes operações, outras empresas que praticam fraudes ficam apreensivas e recolhem impostos atrasados.

Presidente da Cisco até 2006 não foi preso na operação

Em nota distribuída em Londres, a Cisco Systems afirmou que vai cooperar com as autoridades brasileiras e iniciou uma investigação interna. A empresa, porém, ressaltou que não tem operações diretas no Brasil e trabalha com revendedores.

Os procuradores federais Priscila Schreiner e Marcos Gomes Correia e os delegados da PF podem apresentar denúncia à Justiça contra os envolvidos nos próximos dias. Ontem, iniciaram a análise dos depoimentos e documentos apreendidos, que ocupam 60 metros quadrados na sede da PF em São Paulo. O inquérito tem mais de 4.000 páginas. Eles não descartam a possibilidade de pedir a prorrogação das prisões temporárias dos 40 detidos. A PF de São Paulo não quis se manifestar ontem. Uma fonte disse que os policiais agem de modo a evitar a exposição de acusados antes da comprovação dos delitos.

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região recebeu ontem o primeiro pedido de habeas corpus, do auditor da Receita em Salvador Maurício Rocha Maia, acusado de facilitar o esquema. Seu advogado, Gamil Foppel, disse que não há necessidade para prisão cautelar.

Ex-presidente da Cisco no Brasil, Rafael Steinhauser - erroneamente identificado anteontem, por uma fonte do Ministério Público, como um dos presos - afirmou desconhecer irregularidades na empresa durante sua gestão, de 2002 a 2006. O executivo, hoje presidente da Nextwave Wireless para a América Latina, está em Buenos Aires a negócios e nega ter sido procurado pela PF. Ele afirmou que sua função na Cisco era meramente comercial, e que Carnevali tinha o poder estatutário.

COLABOROU Juliana Rangel, do Globo Online