Título: Poder fragilizado
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 19/10/2007, O País, p. 4

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral de definir os partidos como responsáveis pelos mandatos eleitorais, tanto proporcionais como majoritários, vai provocar mudança positiva nas práticas políticas nacionais, fortalecendo o papel dos partidos. Mas, paradoxalmente, está revelando também uma fragilidade da atividade política, que está sendo ultrapassada pelas decisões dos tribunais superiores. A chamada "judicialização" da política está provocando cenas como a de ontem, quando três senadores - Romeu Tuma, Edison Lobão e César Borges - foram em romaria ao STF para conversar com o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, que defende a tese esdrúxula de que a data de validade da decisão sobre os cargos majoritários deve ser a mesma da reunião do TSE que decidiu o caso dos proporcionais, isto é, 27 de março, e não a última terça-feira, quando a situação dos majoritários foi definida.

Ora, se essa tese prevalecer, não haveria explicação para uma nova consulta sobre os mandatos majoritários, já que estaria implícita a decisão. O caso dos majoritários, ao contrário, comportava uma nova discussão, tanto que o relator, ministro Carlos Ayres de Britto, deu declarações no sentido de que considerava as duas situações distintas, pois senadores, prefeitos, governadores e presidente da República não se elegem com sobras partidárias.

Depois de dois adiamentos, e de pressão pública de Marco Aurélio Mello, que insistia em entrevistas quase diárias que os majoritários teriam o mesmo destino dos proporcionais, o relator convenceu-se da tese, que foi aprovada por unanimidade.

Se vingar essa interpretação da data de vigência anterior à decisão, os três senadores que deixaram o Democratas (oficialmente DEM, mas para os adversários políticos DEMO, como fez questão de lembrar ontem em Angola o presidente Lula) perderão o mandato ou terão que pedir ao partido que os receba de volta.

Outro ministro do Supremo, Celso de Mello, fez ontem um auto-elogio da "judicialização" da legislação, lembrando que em muitos casos a Justiça se antecipa aos legisladores, como no das uniões estáveis entre casais, que foram reconhecidas pelos tribunais e só depois introduzidas no Código Civil.

Tanto Celso de Mello como Marco Aurélio Mello elogiaram a decisão do Senado de aprovar legislação análoga à decisão dos tribunais sobre a relação entre partidos e eleitos, mas os dois criticaram a demora do Legislativo, dizendo que os tribunais superiores interpretaram mais fielmente os anseios da sociedade.

O sentimento de superioridade revelado nesses comentários teve como conseqüência imediata uma irresistível ironia por parte do extrovertido ministro Marco Aurélio que, a respeito da visita dos senadores, comentou: "Não vieram numa tentativa de convencimento. Mas demonstraram preocupação. Vieram com o coração batendo mais forte".

O Congresso tem ainda tempo, até um ano antes da eleição presidencial, para tentar fazer uma reforma política que o tire dessa situação de anomia.