Título: Herança polêmica
Autor: Doca, Geralda e Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 19/10/2007, Economia, p. 27

Câmara aprova que trabalhador decida se quer pagar imposto sindical, criado por Vargas.

As centrais sindicais se surpreenderam com a aprovação na Câmara, na noite de quarta-feira, do fim da cobrança do imposto sindical obrigatório, criado em 1943 pelo governo de Getúlio Vargas e que hoje financia, às custas de um dia de salário de empregados formais e autônomos por ano, mais de 7.500 sindicatos, federações e confederações de trabalhadores. Com a base dividida, a emenda ao projeto que reconhece a existência das centrais passou com ampla maioria. Os dirigentes das principais entidades se reúnem hoje em São Paulo para traçar uma ação conjunta que garanta a derrubada do texto no Senado e para cobrar do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, o cumprimento do acordo feito entre sindicalistas e governo para a manutenção da contribuição - que este ano já arrecadou R$754 milhões.

Pelo projeto acertado entre Executivo e centrais, as entidades passariam a receber metade do dinheiro que hoje vai para o governo (20% da arrecadação), o que daria R$81 milhões em 2008 e R$94 milhões no ano seguinte, segundo estimativas da Comissão de Finanças da Câmara. As centrais, agora, poderão ficar sem esse dinheiro - mas temem ainda mais pelas entidades que já recebem os repasses e podem, de um dia para o outro, fechar as portas.

O presidente da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva (o Paulinho), afirmou que se encontrará hoje com o ministro Carlos Lupi para discutir uma saída para o problema:

- A emenda prejudica todos os sindicatos que não poderão mais contar com a fonte de recursos.

Autor da emenda, o deputado Augusto Carvalho (PPS-DF) rebateu:

- As entidades verdadeiras devem esperar o fim desse imposto, que é um dinheiro sujo e ilegítimo.

Idéia é derrubar emenda no Senado

Representantes das centrais garantem que vão lutar.

- Nós temos um acordo com o governo. A idéia era reconhecer as centrais e garantir parte da contribuição. Nós nos comprometemos a encontrar, em 12 meses, uma fonte alternativa de custeio, uma contribuição negociada a ser aprovada em assembléia - disse o presidente da CUT, Artur Henrique.

- Deram um golpe na gente. Mas isso não vai ficar assim. Vamos trabalhar no Senado para retirar a emenda e vamos pedir ajuda do governo, porque houve um acordo com o presidente da República - disse Jose Calixto Ramos, presidente da Nova Central Sindical.

As centrais e Lupi estranharam ainda o fato de a emenda só acabar com o recolhimento compulsório dos trabalhadores, deixando intocado o imposto sindical das entidades patronais. Em nota, a CUT informou que não admitirá o fim do imposto obrigatório somente para os sindicatos dos trabalhadores. "Seriam dois pesos e duas medidas", diz o texto. E afirmou ser contrária ao imposto sindical, defendendo a elaboração de uma fonte alternativa de financiamento do sistema, a ser discutida entre trabalhadores, governo e empregadores.

Participaram do acerto com o governo cinco centrais sindicais: Força Sindical, CUT, Nova Central Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT) e Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB). O acerto foi fechado em maio. No ano passado, o Executivo chegou a enviar uma medida provisória para legitimar as centrais, sem citar a fonte de financiamento, mas a proposta perdeu a validade.

A orientação do governo é derrubar a emenda no Senado, pois o texto não foi negociado dentro da base aliada. No entanto, não há pressa, pois a prioridade é a votação da CPMF. Especialistas avaliam que os sindicalistas precisarão do apoio dos governistas para rejeitar o texto, pois não teriam poder de articulação para convencer os senadores - especialmente se for repetida na Casa a forte divisão interna vista na Câmara.

Na quarta-feira, o PT votou dividido, pois a maioria do partido, nascido nos sindicatos, sempre foi contrária ao imposto obrigatório, que considera uma tutela do Estado - o empregador que não recolhe o recurso ao ministério, por exemplo, é multado. Só a oposição (PSDB, DEM, PPS e PSOL) votou unida, pela aprovação.

A emenda foi aprovada pela Câmara pouco antes da meia-noite de quarta-feira, por 215 votos a 161. No microfone, o líder do PT, Luiz Sérgio (RJ), expressou seu constrangimento:

- O que era um projeto para legalizar as centrais sindicais vai acabar perpetuando o imposto sindical. Eu sempre lutei contra. Se fosse bom, não seria obrigatório.

- Eu nasci lutando contra o imposto sindical e vou morrer contra - emendou o ex-presidente da CUT Jair Meneghelli.

Para o especialista em legislação trabalhista e consultor da Câmara Leonardo Rolim, o imposto sindical obrigatório favorece a proliferação dos sindicatos de fachada, criados apenas para receber o dinheiro dos trabalhadores. Há no Ministério do Trabalho 10.865 sindicatos registrados, sendo 7.253 de trabalhadores. Ele garantiu que a emenda não é inconstitucional, já que o imposto pode ser alterado por projeto de lei.