Título: Carnificina no retorno de Benazir
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Fonte: O Globo, 19/10/2007, O Mundo, p. 32

Ataque a ex-premier do Paquistão mata pelo menos 130 na caravana que comemorava volta do exílio.

KARACHI, Paquistão

Oaguardado retorno da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto ao Paquistão foi marcado por duas explosões na noite de ontem, que segundo fontes médicas mataram pelo menos 130 pessoas e deixaram mais de 550 feridas em meio à multidão que acompanhava sua caravana em Karachi. Benazir, que fazia o trajeto no alto de um caminhão, não se feriu. As forças de segurança haviam alertado para ameaças à sua vida nesse retorno ao país após oito anos de auto-exílio, em que busca recuperar o antigo cargo nas eleições de janeiro.

Anistiada pelo presidente Pervez Musharraf, Benazir chegara no início da tarde a Karachi, num vôo de Dubai, e seguia em caravana até o túmulo de Muhammad Ali Jinnah, fundador do país, onde faria um comício. Nas ruas, mais de 200 mil pessoas acompanhavam o cortejo, agitando bandeiras do Partido do Povo do Paquistão (PPP), fundado pelo pai da ex-premier, quando o atentado ocorreu. Uma pequena explosão foi seguida por outra maior, a poucos metros do caminhão com a ex-premier. Um assessor de Benazir contou que no momento da explosão ela descansava no interior do veículo ¿ que ficou parcialmente danificado com dezenas de corpos ao redor.

¿ Parece que havia um homem-bomba ¿ disse o ministro da Informação, Tariq Azim Khan. ¿ O caminhão de Benazir estava cercado por carros da polícia, por isso o terrorista não conseguiu chegar a ele.

Benazir foi levada para sua casa em Karachi. As explosões destruíram dois carros da polícia, e a maioria das vítimas era de agentes de segurança e pessoas que queriam ver a ex-premier. Dois câmeras da TV paquistanesa também morreram. Entre os corpos estava pelo menos o cadáver de um homem-bomba. Mas fontes policiais falavam que um carro-bomba também pode ter sido usado. Nos últimos dias, serviços de inteligência haviam descoberto que três grupos ligados à rede terrorista al-Qaeda e à milícia talibã planejavam assassiná-la, irritados com seu apoio aos Estados Unidos. E enquanto Benazir voava para o Paquistão, o comandante talibã Haji Omar havia prometido ataques contra ela, como fizera ¿com Musharraf¿.

Os 20 mil policiais enviados à cidade para reforçar a segurança não conseguiram evitar o ataque. As TVs mostravam corpos pelo chão, carros em chamas. O caminhão usado por Benazir era preparado para explosões e tinha vidros à prova de bala. A ex-premier, no entanto, ignorou os conselhos para ficar atrás das vidraças e viajou a maior parte do tempo no topo do veículo, acenando para a multidão.

Marido culpa governo paquistanês

O presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, disse que o atentado representa ¿uma conspiração contra a democracia¿. Os EUA condenaram o ataque dizendo que ¿não se deve permitir que extremistas detenham os paquistaneses de escolherem seus representantes através de um processo democrático¿. Já o marido de Benazir, Asif Ali Zardari, que ficara em Dubai, culpou o governo paquistanês.

Horas antes, a ex-premier havia sido recebida com festa, num retorno que deve reconfigurar o cenário político do país. Ao desembarcar, disse que sua volta era ¿um milagre, um sonho que se torna realidade¿. De túnica e calça verdes e véu branco, roupas tradicionais muçulmanas, defendeu a democracia e o combate ao terrorismo.

¿ Se queremos salvar o Paquistão, precisamos ter democracia. Os terroristas estão tentando tomar o controle do meu país e temos que detê-los ¿ disse, antes das explosões.

Por anos ela prometeu voltar ao país para acabar com a ditadura militar, embora chegue agora como provável aliada de Musharraf, general que tomou o poder em 99 e que foi reeleito no dia 6. O novo retorno acontece após uma anistia às acusações de corrupção e negociação sobre uma possível partilha do poder, com apoio dos EUA, que vêem aí uma forma de manter o Paquistão comprometido com a luta ao terror. Mas a constitucionalidade da anistia dada pelo presidente ainda é analisada pela Justiça.