Título: Epidemiologista: Não podemos mais conviver com óbitos de dengue
Autor: Lamego, Cláudia
Fonte: O Globo, 20/10/2007, O País, p. 4
Médico pede que campanhas contra a doença sejam feitas no inverno.
Um problema que se expressa na saúde, mas que depende de políticas públicas em várias áreas. Para o epidemiologista Roberto Medronho, professor do Núcleo de Saúde Coletiva da UFRJ, o Ministério da Saúde, sozinho, não é capaz de erradicar a dengue. Segundo ele, para vencer a epidemia de dengue é preciso medidas a longo prazo em áreas como saneamento básico e ordenamento urbano. A curto prazo, é preciso combater o mosquito, por meio de campanhas educacionais e de visitas dos agentes de saúde aos domicílios para eliminar os focos. Segundo ele, sem essas ações combinadas, o país vai conviver por muitos anos com a dengue:
- A dengue tem dois problemas. Um é o estrutural: sem água encanada e coleta de lixo adequada, o combate não é tão eficaz. O outro é operacional. O combate deve ser regular e sistemático. Não adianta fazer campanha só no verão. As visitas domiciliares devem começar no inverno, para eliminar os focos. Não adianta fazer campanha só no período próximo ao verão. Essa visita deve ser acompanhada de um processo de educação. Por mais que se ensine como evitar os focos, há pessoas que não sabem ou não acreditam que o mosquito se prolifere na água.
"Até lá, quantas pessoas precisarão morrer?"
Medronho, que participou esta semana do Seminário Internacional de Novas Tecnologias para Prevenção e Controle da Dengue, disse que, numa previsão otimista, a criação de uma vacina contra a dengue ainda deve demorar, pelo menos, dez anos.
- Até lá, quantas pessoas precisarão morrer?
O infectologista Fernando Cardoso, médico do Clementino Fraga Filho (Hospital Universitário da UFRJ), afirma que um dos maiores problemas da dengue é a falta de informação da população. Segundo ele, num país tropical, com muitas chuvas, é muito difícil erradicar a doença. O infectologista discorda da declaração do ministro da Saúde sobre a falta de preparo dos médicos nos hospitais.
- Pelo menos nos hospitais onde trabalho, há um fluxograma com dicas sobre como diagnosticar e tratar o paciente com dengue. Mas, se o paciente chegar com um quadro grave e não tiver vaga, o que vamos fazer? - indaga.
Já Medronho diz que não é fácil evitar a epidemia, mas que as mortes em decorrência da doença são inadmissíveis. Segundo ele, os médicos precisam, sim, estar em alerta nas unidades de saúde para fazer o encaminhamento correto dos pacientes:
- Do ponto de vista ético, não podemos mais conviver com óbitos de dengue, como ocorreu no Rio de Janeiro em 2001 e 2002. É preciso alertar a população e a classe médica. Os médicos precisam estar alertas. Os casos confirmados têm que ser informados imediatamente à Secretaria de Saúde. Ao atender um suspeito, é preciso fazer o hemograma e a prova do laço (exame que consiste em fazer um torniquete no braço do paciente e verificar se aparecem manchas vermelhas). Em caso de suspeita de dengue hemorrágica, encaminhar para um centro de referência. O tratamento para a dengue é dar água. Pela boca, em casos leves. E, pelo soro, para os graves. Não tem segredo. Não tem antibiótico nem nada.
Críticas à falta de investimentos
Mas Medronho faz críticas também aos governantes por falta de investimentos no combate à doença. Ele lembra que o controle tem que ser constante porque, mesmo em lugares onde a doença já foi controlada, podem surgir novos tipos da doença.
- As pessoas estão suscetíveis, basta entrar um sorotipo novo ou ser reintroduzido um antigo. Temos hoje o vírus 1, 2 e 3. Campo Grande (no Mato Grosso do Sul), por exemplo, ainda não tinha sido afetada pelo vírus do tipo 3, o que acabou acontecendo este ano. Mas a cidade conseguiu, pelo menos, evitar os óbitos. Lá, a situação está comparável ao que aconteceu no Rio de Janeiro em 2001 e 2002, e até pior, porque em termos de incidência, teve até mais casos. A diferença é que apenas uma pessoa morreu - ressalta Medronho.