Título: Sigilo profissional sob risco
Autor: Silva, Paulo Lins e
Fonte: O Globo, 20/10/2007, Opinião, p. 7

A invasão de escritórios de advocacia e de Ordens de Advogados por autoridades policiais, até mesmo com autorização do Poder Judiciário, já questionada há alguns anos por entidades brasileiras representativas de classes, ganha agora as manchetes de jornais de vários países do mundo. Em 2007, a Union Internationale des Avocats (UIA), entidade equivalente à Ordem Mundial dos Advogados, testemunhou e defendeu esse tipo de crime contra a democracia em várias partes do planeta. Os abusos mais gritantes foram cometidos em países como Itália, Polônia, Portugal e até mesmo nos Estados Unidos, onde ocorreram invasões de escritórios e escutas ilegais para gravação de diálogos de advogados com seus clientes, com o objetivo de facilitar a autoridade investigatória, obtendo as provas que normalmente deveriam ser alcançadas por meio da lei processual penal. O segredo profissional, que é garantido por lei entre o profissional e o cliente, está sob risco, obrigando, em alguns países, que as consultas sejam feitas em locais neutros, como em hotéis e restaurantes ou em outro ponto público. Essas medidas são tomadas para evitar a gravação ou o registro dos naturais segredos que envolvem o advogado e seu cliente.

Em todas as legislações internacionais é consenso entre profissionais do direito que o local de trabalho dos advogados é inviolável, valendo também para seus arquivos e todo o material usado para as suas atividades, como documentos, livros, pesquisas, depoimentos gravados, entre outras provas. Em qualquer lugar do mundo, os documentos e dados entregues aos advogados devem estar protegidos, justamente para que seja garantida a defesa do cliente.

Por outro lado, todos sabemos que a lei permite a busca e apreensão de documentos, através de autorização judicial, mas não em escritórios de advocacia, onde deve ser preservada a privacidade do cliente, como um paciente de um médico. Não há dúvidas de que tanto no Brasil quanto em países europeus ou nos Estados Unidos, quando o advogado se envolve em práticas criminosas, excedendo seus limites profissionais, deve ser alvo de investigações e varreduras, assim como profissionais de qualquer outra área. Mas, para isso, existe também o seu organismo de classe, que exemplarmente no Brasil, em Portugal e nos Estados Unidos não são corporativistas diante do mau profissional.

Mas, na prática, o que estamos assistindo são informações profissionais violadas, algumas vezes sem autorização, sob argumentação de que a apuração criminal supera a privacidade. Lamentável! Muitas vezes a missão dos advogados é confundida com práticas ilegais de seus clientes. Com isso, no momento em que percebemos o esforço de entidades jurídicas internacionais na defesa da democracia e da liberdade plena entre os países, notamos também que as prerrogativas da advocacia eram muito mais asseguradas e respeitadas em outros tempos. Embora o combate à criminalidade, sobretudo à corrupção que impera em países como o Brasil, deva ser exaltado, é preciso saber respeitar os limites da legalidade e observar os critérios respectivos da busca e investigação amparados especialmente no Código de Processo Penal, em detrimento do método ilegal e violento, como uma forma de se economizar tempo nas pesquisas necessárias em alguns casos.

Permitir que os segredos profissionais sejam violentados, sob argumento da importância da investigação criminal, é o mesmo que negar defesa assegurada por lei para simples acusados. A apreensão de documentos retidos com os advogados para incriminação de seus clientes pode ser considerada uma prova ilegal de acusação. Com base nesses princípios, é lamentável que essas invasões que ocorriam em governos ditatoriais, passem também a se tornar hábito em regimes democráticos, consolidados pelos próprios advogados, como o brasileiro. O due process of law está sob risco.

PAULO LINS E SILVA é presidente da União Internacional dos Advogados.