Título: Na contramão da economia
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 21/10/2007, O País, p. 3

Com só 12% das estradas pavimentadas, país tem prejuízo de R$20 bi por ano.

O péssimo estado de conservação e a falta de investimentos na malha rodoviária brasileira provocam perdas de até R$20 bilhões ao ano para a economia nacional. A estimativa é resultado de um estudo preliminar feito pelo Centro de Estudos em Logística da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEL/UFRJ). Segundo outro estudo do CEL/UFRJ, o país perde R$7,5 bilhões ao ano com acidentes envolvendo o transporte de cargas. Apenas 12% das rodovias brasileiras são pavimentadas, 72% da malha viária nacional estão em estado péssimo ou ruim e 54% das cargas brasileiras passam por essas estradas.

- Quem paga a conta não é a transportadora, nem a embarcadora. É o cidadão. Os custos estão embutidos nos preços - diz o presidente da Associação Brasileira dos Transportadores de Carga (ABTC) e vice-presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Newton Gibson.

O estudo coordenado pelo economista Maurício Lima, do CEL/UFRJ, leva em conta tanto os prejuízos materiais de manutenção, desgaste, segurança, quanto o tempo perdido nas estradas intrafegáveis.

- Além do prejuízo físico, temos o prejuízo do ativo parado em estradas intransitáveis - diz Lima.

Levantamento feito pelo diretor de Gestão de Estoques da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Francisco Olavo Batista de Sousa, mostra como a má conservação das estradas e a falta de estrutura viária prejudicam a economia.

A demora na construção da rodovia Cuiabá-Santarém causa um prejuízo anual de R$480 milhões aos produtores de soja do norte de Mato Grosso. Segundo o Conab, se a rodovia estivesse pronta, o deslocamento de uma carreta com 40 toneladas de soja até o porto de Santarém (PA) custaria R$2.860. Sem a estrada, os produtores precisam usar o porto de Paranaguá (PR), e o custo do transporte sobe para R$6.146.

Mais gastos com combustível

Isso prejudica a competitividade de produtores das regiões afastadas. Pesquisa feita pelo representante da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) na Câmara Temática de Infra-estrutura do Ministério da Agricultura, Luiz Antonio Fayet, mostra que um produtor de soja de Cascavel (PR) gasta R$6 por saco com transporte. Já um de Sorriso (MT) paga R$12, uma vez que, em vez de escoar a produção pelos portos da Região Norte, é obrigado a dar uma volta de dois mil quilômetros até Santos (SP) ou Paranaguá (PR).

- Como tanto um quanto outro recebem sempre R$35 por saco, a saída são os subsídios do governo - disse Fayet.

Segundo ele, o governo gastou R$1 bilhão em subsídios para o transporte de soja nas últimas duas safras.

- Os gastos não param aí. A falta de infra-estrutura causa um aumento de custo entre R$1 e R$3 por saco de soja. O Brasil colhe 1 bilhão de sacos por ano - calcula Fayet.

De acordo com a ANTC, as estradas ruins aumentam em 8% os gastos com combustível e 20% com manutenção. O desperdício de produtos que caem das caçambas pode chegar a 20%.

- Se alguém juntar toda a cana derrubada nas estradas de Pernambuco é capaz de abrir uma usina - ironiza Newton Gibson.

Embora seja menos afetada pelo problema, a indústria também sofre.

- Uma rodovia em bom estado pode reduzir em 20% o custo do transporte. Acontece que um terço delas está em péssimo estado e isso representa um gargalo para nossas exportações - diz Saturnino Sérgio da Silva, diretor de Infra-estrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Levantamento da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), mostra que entre as 20 maiores economias do mundo o Brasil é o que menos investe no transporte rodoviário. Segundo a NTC&Logística, apenas 196 mil, equivalentes a 12% dos 1,6 milhão de quilômetros de estradas brasileiras, são pavimentadas. Na Índia, o índice é de 47% e no México, 50%.

- A conclusão é que o Brasil investe pouco em transporte - diz o presidente da NTC&Logística, Geraldo Vianna.

Uma das principais queixas do setor de transportes é o contingenciamento das verbas da Cide. Segundo a ABTC, desde 2002 o país arrecadou R$43 bilhões com o tributo, mas investiu apenas R$18 bilhões.

Além da falta de investimentos nas estradas, a economia brasileira sofre com a dependência excessiva da matriz rodoviária. Aproximadamente 56% da produção brasileira passa pelas estradas contra 28% das ferrovias e 12% de transporte fluvial.

Segundo o CEL/UFRJ, se o Brasil tivesse um modelo de transporte equilibrado como o dos EUA, o país economizaria US$45 bilhões ao ano. Para isso, seriam necessários investimentos de R$18 bilhões ao ano até 2023 em hidrovias, ferrovias, portos e estradas. A média do governo Luiz Inácio Lula da Silva é de R$2,5 bilhões.

- Além dos reflexos na economia, o modelo brasileiro tem conseqüências sérias para a segurança, colocando em risco a vida das pessoas - lembra o presidente do Conselho de Infra-estrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José de Freitas Mascarenhas.

Conforme a NTC&Logística, oito mil pessoas morrem todos os anos nas estradas em acidentes envolvendo caminhões, o equivalente a 26,6% das 35 mil mortes anuais no trânsito brasileiro. Destes, 2,5 mil são caminhoneiros.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o custo com resgates, atendimento, seguros, previdência e danos patrimoniais provocados por acidentes em rodovias chega a R$22 bilhões ao ano. A privatização de rodovias federais é um alento para os usuários do sistema de transportes.

- O governo não tem fôlego para investir o necessário. A saída é atrair o capital privado. O dinheiro está rodando por aí, procurando um bom negócio. Precisamos agir rapidamente para que esses investimentos venham para o Brasil - diz Fayet.