Título: A Justiça não tem meios para punir
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 21/10/2007, O País, p. 10

O diretor do Detran-DF, Délio Cardoso, defende penas mais duras para os maus motoristas. Ex-diretor do Denatran, ele reclama da interferência de políticos na gestão do trânsito e defende que o órgão federal assuma o comando do setor.

O trânsito mata 35 mil brasileiros por ano, mas ninguém conhece um motorista que tenha cumprido pena na cadeia. Por quê?

DÉLIO CARDOSO: A lei é muito branda. A sociedade condena os motoristas irresponsáveis, mas a Justiça não tem instrumentos e meios adequados para puni-los. O Código não prevê o acúmulo de agravantes como dirigir bêbado, participar de pegas e fugir sem prestar socorro. Os parentes das vítimas reclamam, com razão, que a Justiça não é feita. A impunidade deixa os órgãos executivos de trânsito de mãos atadas.

Em que sentido?

CARDOSO: Os Detrans fazem campanha o ano inteiro para dizer que o motorista deve agir de forma consciente, mas não há contrapartida do Estado na punição dos infratores. O jovem que tira a carteira sabe que nada vai acontecer se ele for irresponsável no trânsito.

O motorista se torna irresponsável com o tempo?

CARDOSO: O permissionário (motorista que recebe a primeira habilitação, válida por um ano) é extremamente cauteloso, porque sabe que qualquer infração vai impedi-lo de dirigir. É um motorista que não se arrisca nem a parar o carro em local proibido. Depois que recebe a carteira definitiva e vê que a lei é pouco rigorosa, ganha autoconfiança e deixa o cuidado para trás.

O país tem mais de 1.300 órgãos para cuidar do trânsito. Por que o sistema não funciona?

CARDOSO: O modelo é errado, foi feito para não funcionar. Nos anos 50, o trânsito do Japão era mais caótico do que o nosso. O governo adotou a gestão unificada, e o mesmo ministério passou a cuidar de trânsito e transportes, o que não acontece no Brasil. As decisões tomadas valem para todas as províncias. O resultado é uma ilhota com 80 milhões de veículos e eficiência total na gestão. Onde os estados não respeitam as mesmas regras, vira bagunça.

Quais as conseqüências da divisão de poderes?

CARDOSO: Os Detrans estão sujeitos a interferências, loteamento político. Nos estados pobres, governadores aceitam a tragédia no trânsito para não perder votos com multas. É inaceitável.