Título: Impunidade alimenta a matança no trânsito
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 21/10/2007, O País, p. 10

Especialistas dizem que motoristas assassinos dificilmente vão a julgamento e pedem punições mais severas.

BRASÍLIA. Dez anos após a criação do Código de Trânsito Brasileiro, a impunidade continua a servir de combustível à tragédia que mata 35 mil pessoas por ano nas estradas do país. Juízes, promotores, advogados e representantes de ONGs que atuam no setor são unânimes: é preciso endurecer as penas para os crimes de trânsito. Pela lei atual, é quase impossível levar um motorista assassino ao banco dos réus.

Elogiado pelos artigos em que fixa multas rigorosas para infrações como o excesso de velocidade, o Código é considerado omisso quanto à punição dos responsáveis pelas mortes no asfalto. O texto não prevê sanção por homicídio doloso, em que há intenção ou consciência do risco de matar. Especialistas dizem não se lembrar de um único caso em que alguém tenha cumprido pena na cadeia pela imprudência ao volante.

Acusado de causar a morte de três mulheres num pega em Brasília, no último dia 6, o professor de Educação Física Paulo César Timponi se entregou à polícia dois dias após o crime. Mas só ficou preso por uma semana, graças a um habeas corpus. Na quinta-feira, voltou à prisão.

- O Código é eficiente na parte administrativa e burro ao tratar dos crimes de trânsito. É dificílimo levar um motorista ao tribunal do júri, mesmo com todas as evidências de que tenha dirigido como um maluco - resume o presidente da comissão de Direito do Trânsito da OAB paulista, Cyro Vidal.

Num país em que o trânsito faz 100 mil deficientes físicos por ano, o professor de Direito Penal Marcelo Cunha de Araújo, da PUC-Minas, chama a atenção para outra distorção do Código: o artigo que trata da lesão corporal prevê a aplicação da mesma pena (seis meses a dois anos de detenção) ao motorista que quebra o dedo de um pedestre e àquele que deixa uma pessoa tetraplégica. Nos dois casos, o castigo costuma ser convertido pelos juízes em prestação de serviços comunitários. - A lei brasileira foi feita para punir o marginal que rouba ou mata com arma de fogo. Como é considerado menos grave, o crime de trânsito quase sempre fica impune - diz Araújo, promotor de Justiça e autor de livro o tema.

"O pagamento de cestas básicas é absurdo", diz mãe de vítima

O relaxamento com os crimes de trânsito faz com que o cidadão que ameaça o vizinho com uma faca de cozinha seja processado por tentativa de homicídio, enquanto o motorista embriagado que atropela um pedestre é livrado após doar cestas básicas para entidades beneficentes, protesta a presidente da Fundação Vida Urgente, Diza Gonzaga, mãe de um jovem morto no trânsito aos 18 anos:

- O pagamento de cestas básicas é um absurdo. O motorista condenado por homicídio deveria, no mínimo, carregar uma maca de acidentados para ter consciência do sofrimento que causou - diz.