Título: O futuro nuclear do Brasil
Autor: Carajilescov, Pedro e Louzada, João Manoel Moreira
Fonte: O Globo, 22/10/2007, Opinião, p. 7

Ao assinar o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, na década de 70, um dos principais aspectos do contrato previa a transferência de tecnologia para o país, envolvendo desde o projeto dos reatores até a tecnologia do ciclo do combustível.

Dos oito reatores PWR da Siemens-KWU, previstos inicialmente, apenas um reator foi construído e começou a operar em 2000, após décadas de protelação. Componentes da segunda usina permaneceram estocados e deverão ser utilizados, agora, para a construção de Angra III.

Tendo em vista o longo prazo de construção de usinas do tipo de Angra II e Angra III, sua instalação pode ser atropelada por descontinuidades políticas, usuais no Brasil, que levam à paralisação das obras, provocando enormes prejuízos econômicos e financeiros à empresa geradora.

Entretanto, como parte do acordo com a Alemanha, o país se beneficiou com a instalação da Nuclep (indústria de mecânica pesada) e da INB (fusão da fábrica de elementos combustíveis nucleares com a Nuclei e a Nuclemon).

Ainda, em paralelo ao acordo com a Alemanha, o Brasil, através do Ministério da Marinha e a partir de 1979, desenvolveu um programa nuclear autônomo, culminando com o domínio do ciclo do combustível e o aprofundamento dos conhecimentos da tecnologia de reatores nucleares, além de ter levado à capacitação de muitas empresas nacionais para o fornecimento de componentes para o setor.

Neste cenário, com a perspectiva de implantação de novas usinas nucleares, até 2020, é preciso que se definam os rumos a serem tomados. Certamente, a capacitação tecnológica brasileira evoluiu muito desde a época do acordo com a Alemanha, particularmente com respeito ao ciclo do combustível. No caso do projeto de reatores, a experiência se concentrou em reatores de pequeno porte para propulsão naval. Assim, caso o país opte por reatores de grande porte (potências acima de 1.000 MW), o papel que iremos representar será, essencialmente, de escolha do fornecedor, o que nos coloca na posição de meros coadjuvantes.

Talvez seja este o momento de o Brasil desenvolver, de forma autônoma ou em parceria com outros países, uma linha própria de reatores de potência de pequeno porte, digamos, na faixa de 250 a 300 MW, a partir daquilo que já dispomos. Nesta linha de ação, podemos antecipar um grande número de vantagens, a saber: (a) desenvolvimento de uma tecnologia própria e instalação de reatores com maior conteúdo nacional; (b) reatores de menor porte podem ser construídos em menor tempo, minimizando os prejuízos associados a descontinuidades econômicas e políticas; (c) grandes potências elétricas podem ser obtidas através de clusters de reatores menores, permitindo a padronização e serialização de sistemas e componentes, assim como o desembolso escalonado de recursos financeiros; (d) usinas de menor porte podem atender melhor locais hoje abastecidos por sistemas elétricos isolados; (e) grande parte dos sistemas pode ser fabricada em locais controlados e transportados para o sítio escolhido para a usina, minimizando a necessidade de grandes canteiros de obras e de pessoal especializado local; (f) o aprendizado com uma usina pode ser utilizado na implantação da usina seguinte etc.

Além das vantagens apresentadas, o domínio da tecnologia de reatores de pequeno porte pode transformar o Brasil em fornecedor de tecnologia para países de economias menores, que necessitam de eletricidade em menor escala e que dispõem de menos recursos para investimento em infra-estrutura.

Finalizando, talvez o setor nuclear brasileiro deva se espelhar no exemplo da Embraer, que encontrou sua vocação no desenvolvimento e na produção própria de aviões, inicialmente de pequeno porte e, hoje, de porte médio, tornando-se uma potência mundial no setor aeronáutico.

PEDRO CARAJILESCOV e JOÃO MANOEL MOREIRA LOUZADA são professores da UFABC. ELOI FERNÁNDEZ Y FERNÁNDEZ é professor da PUC-Rio.