Título: Kirchner não é um período, é um sistema
Autor: Grondona, Mariano
Fonte: O Globo, 22/10/2007, O Mundo, p. 21

A sete dias das eleições presidenciais, o governo argentino tenta emplacar na sociedade duas impressões. A primeira é que, para todos os efeitos, Cristina Kirchner já ganhou. A segunda é que o período presidencial de Néstor Kirchner terminará efetivamente em 10 de dezembro, dia em que sua mulher iniciará um novo e distinto período presidencial. Algo similar ao ocorrido em 2006, quando Michelle Bachelet sucedeu Ricardo Lagos no Chile.

Através de sua ampla rede de comunicações, o governo procura fazer com que os argentinos amanheçam sob a influência dessas impressões no próximo domingo. A primeira delas tem por objetivo desmobilizar os que votariam contra ela e os indecisos. A segunda é que ao eleger Cristina Kirchner os argentinos dariam começo a um governo original, como os chilenos fizeram com Bachelet. Mas o de Cristina, se ela ganhar, seria mesmo outro governo ou o prolongamento deste mesmo, com seu nome no lugar do nome do marido? Aqueles que votarem nela terão por acaso a impressão de que não estão votando em Néstor assim como os chilenos que votaram em Bachelet sabiam que não estavam votando em Lagos?

Se considerarem que a eleição de Cristina equivale à reeleição de Néstor, os dois ficariam inibidos para serem candidatos à presidência em 2011 porque já não seria uma reeleição mas uma ¿re-reeleição¿. Seria como uma manobra política para se esquivar da Constituição de 94, que permite só uma reeleição em mandato consecutivo, e para aspirar a uma série ilimitada de reeleições, sob o nome dele ou dela. Algo como uma monarquia bicéfala. Se a delegação do poder de Kirchner a sua mulher for confirmada, não poderíamos estar diante do início de uma série de reeleições alternativas?

Talvez o que eles devam fazer se quiserem acabar com esta grave incerteza institucional é declarar que nenhum deles será candidato em 2011. Caso contrário, as dúvidas subsistirão. E esta incerteza seria razoável porque em 2003 Kirchner não inaugurou mais um mandato presidencial na Argentina mas algo muito mais ousado: um novo sistema de poder.

Se o que tivemos desde 2003, e o que seguiremos tendo com a vitória de Cristina, não foi um período presidencial tradicional mas um novo sistema de poder concentrado, o que haverá no domingo será uma opção entre um governo tradicional encabeçado pelos candidatos republicanos à Presidência e um novo sistema hegemônico de poder aberto a reeleições ilimitadas. Em suma, entre uma república e uma monarquia. Porque as monarquias, quando foram absolutas, também atribuíam o poder a uma mesma família.

MARIANO GRONDONA é articulista do ¿La Nación¿, membro do GDA (Grupo de Diários América)