Título: Vazamento até da Bovespa
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 23/10/2007, Economia, p. 19

Bancos passam a grandes investidores novo preço de oferta de ações e CVM muda prazo.

ABovespa Holding - empresa criada para permitir a abertura de capital da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) - terá de dar dois dias, a contar de hoje, aos investidores que já haviam feito pedido de reserva das suas ações na oferta pública inicial, para desistir, diminuir ou aumentar a solicitação feita. O prazo para investidores de varejo (pessoas físicas) que ainda não fizeram reserva termina hoje. A nova data foi uma exigência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), diante da informação de que os bancos coordenadores da operação teriam se comunicado com investidores institucionais para dizer que a faixa de preço mudaria.

No prospecto preliminar - documento com todas as informações da empresa que faz a oferta - a faixa estimada de preço inicialmente pelos bancos coordenadores era entre R$15,50 e R$18,50. A nova faixa deve ficar entre R$19 e R$23 e também deve ser alterada e comunicada ao mercado hoje, de acordo com o superintendente de Registro de Valores Mobiliários da CVM, Carlos Alberto Rebello. A nova faixa de preços é reflexo da alta demanda pelas ações da Bovespa. No entanto, os bancos coordenadores - Goldman Sachs, Credit Suisse e UBS Pactual - já vinham informando a grandes investidores e fundos de investimento que o preço mudaria, segundo informações obtidas pela CVM:

- Havia uma assimetria de informação. Enquanto os institucionais estavam sendo comunicados do novo patamar, os investidores de varejo estavam privados dessa informação - diz Rebello.

Reservas no varejo chegam a R$30 mil

A autarquia enviou ofício à empresa e aos coordenadores para que publicassem outro aviso, com os novos preços e a possibilidade de desistência em cinco dias. Mas os coordenadores recorreram, alegando que o prazo só se aplicaria se fosse por algum fato novo que devesse estar no prospecto - e a prorrogação foi fixada em dois dias, portanto até amanhã. Além disso, dar cinco dias alteraria todo o cronograma, já que a estréia das ações está marcada para sexta-feira. Essa data e as demais previstas não foram mudadas. Em geral, quando o preço fica fora da faixa, a empresa só avisa no dia em que divulga o valor e permite que os investidores desistam.

Outra alteração é que a oferta passará a excluir a reserva de pessoas vinculadas à operação. Assim, as corretoras, que vinham demandando muitas ações para si próprias, ficarão fora. Essa é uma exigência para quando a demanda ultrapassa em um terço o teto da oferta, que era equivalente a R$4,634 bilhões (com a elevação da faixa de preços, a oferta poderá captar R$6,625 bilhões). Como isso muitas vezes só é comprovável após a operação, a CVM costuma investigar esses casos depois, mas nenhum episódio resultou em inquérito, diz Rebello. Nenhum representante dos bancos coordenadores foi encontrado pelo GLOBO, e a Bovespa não quis comentar o caso.

No mercado, circulam rumores de que a demanda já teria superado em 14 vezes a oferta. Executivos de corretoras dizem que é difícil ter algum cliente ativo que não tenha pelo menos se informado sobre a operação. Os pedidos no varejo têm chegado a R$30 mil, bem acima da média de outras ofertas, de R$10 mil.

A receita da Bovespa provém basicamente de um percentual (emolumentos) cobrado em cada operação. Portanto, ela ganha receita até nos dias de queda dos mercados e do Ibovespa, principal índice da Bolsa. O importante, dizem analistas, é que o volume financeiro é elevado e tem aumentado nos últimos anos. Para Eduardo Roche, gerente de análise da Modal Asset Management, a oferta é positiva.

- A Bovespa está entre as maiores taxas de negociação do mundo, tem receita estimada em US$400 milhões neste ano e é a quinta em lucratividade, se comparada às que já têm capital aberto - diz.

Analista de renda variável da gestora Global Equity, Mariana Gonçalves avalia que a Bolsa tem riscos peculiares, por estar em um setor nunca analisado, no qual só ela atua no Brasil. Outro risco cogitado no mercado é a Bovespa ser comprada por uma bolsa estrangeira, mas isso precisaria ser aprovado pela CVM.

Uma novidade dessa operação é a restrição aos investidores que entraram em ofertas recentes para atuar como flippers - para vender as ações com a usual valorização do primeiro dia, normalmente bastante elevada em decorrência dos investidores que não foram atendidos inicialmente na oferta. A oferta classificará como "sem prioridade de alocação" os investidores que ficaram com menos de 80% das ações adquiridas em ofertas recentes. Mas só serão consideradas nessa classificação quatro ofertas: General Shopping, Cosan Limited, Satipel Industrial e SulAmérica, todas ocorridas entre agosto e o início de outubro. Essa regra só vale para pessoas físicas, embora muitos fundos e investidores institucionais tenham a prática de vender no primeiro dia.

Ontem, a Bovespa encerrou em alta de 0,53% (61.215 pontos). O dólar subiu 0,72% e fechou cotado a R$1,817. O risco-Brasil recuou 1,68%, para 176 pontos centesimais. O Banco Central (BC) comprou, segundo analistas, cerca de US$200 milhões, a R$1,8149.