Título: Duas tragédias, dois estádios, um final diferente
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Fonte: O Globo, 24/10/2007, O Mundo, p. 36
Governo fornece segurança, comida e diversão a pessoas que se refugiaram em campo de futebol americano de San Diego.
SAN DIEGO, Califórnia. Milhares de pessoas evacuadas, casas destruídas e o refúgio dentro de um estádio de futebol americano. O drama dos moradores de San Diego fez com que muitos americanos se lembrassem ontem da tragédia do furacão Katrina, em Nova Orleans. Mas bastava entrar no estádio onde cerca de 20 mil refugiados buscaram abrigo para ver as diferenças.
Era possível perceber um clima quase festivo ontem à tarde dentro do Estádio Qualcomm, do San Diego Chargers. Guitarristas se apresentavam para o público e profissionais massageavam os pés de pessoas estressadas com o abandono forçado de suas casas.
¿ As pessoas estão contentes. Aqui tem de tudo ¿ afirmou o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, que ontem visitou o estádio, ouvindo apenas algumas reclamações entre vários elogios dos cidadãos pelas ações do governo durante a tragédia.
É verdade que havia filas enormes para a distribuição de comida e água aos desabrigados, que receberam café da manhã, almoço e jantar. Mas os temores de uma repetição das cenas que variaram entre o desconforto e a violência no Estádio Superdome, do New Orleans Saints, equipe de futebol americano de Nova Orleans, não eram vistas ontem em San Diego.
Cuidados especiais para crianças e bebês
Em Nova Orleans, brigas, assaltos e até mesmo estupros ocorreram no estádio. A rápida ação de Schwarzenegger, que decretou estado de emergência na segunda-feira ¿ o que permitiu a convocação da Guarda Nacional ¿ fez com que centenas de homens armados com fuzis e pistolas controlassem a segurança no estádio. O governador chegou a retirar 200 soldados da Guarda Nacional da fronteira com o México, deslocando-os para áreas em que poderia haver explosão de violência pela ausência das forças policiais.
Uma das piores lembranças das pessoas que lotaram o estádio em Nova Orleans foi a falta de higiene. Até ontem, os 96 banheiros funcionavam bem em San Diego. Caminhões com fraldas foram enviados ao estádio para que bebês não ficassem sem elas. As autoridades distribuíram milhares de tendas, mas muitas pessoas dormiram em sacos de dormir e em camas de campanha militares.
Cuidados foram tomados para distrair as crianças. Palhaços distribuíram balões de gás. Especialistas em autismo circulavam pelo estádio para realizar atendimentos.
Mas os sorrisos infantis contrastavam com histórias de quem havia deixado tudo para trás.
¿ Vi uma reportagem ao vivo (num telão do estádio) do nosso condomínio pegando fogo ¿ disse o indiano Raj Panandian, um engenheiro de 26 anos.
Ele teve que deixar sua casa às pressas às 4h.
¿ A única coisa que salvei foi o meu passaporte e meu visto de trabalho. O resto todo está perdido ¿ afirmou ele.
Victor e Janelle Charles acordaram ontem num condomínio em Rancho Bernardo antes do amanhecer com dificuldades para respirar devido à fumaça. Eles viram que o fogo que se aproximava por uma encosta estava a apenas 50 metros da casa deles.
¿ Vivíamos ali há sete anos, mas tivemos que nos arrumar em apenas dez minutos ¿ disse Victor.