Título: Gerundiando
Autor: Arruda, José Roberto
Fonte: O Globo, 25/10/2007, Opinião, p. 7

Agora que a demissão do gerúndio já deu o que falar, gerou opiniões e produziu efeitos, vale uma reflexão mais consistente sobre a ineficiência do setor público no Brasil.

A Constituição de 1988 pode ser adotada como um marco. O Brasil redemocratizado, que não mais seria governado por um general de plantão, precisava de regras muito sólidas para que o poder, devolvido à vontade popular, não fosse usurpado por interesses menores e ilegítimos.

O Dasp, nessa época, já tinha modernizado o setor público e já entrava em pavoroso colapso.

O Brasil das grandes estatais, das Petrobras, Eletrobrás, Portobrás e quantas mais fossem necessárias para o nacionalismo estatizante de meados do século passado, tinha feito Itaipu, Tucuruí, Ponte Rio-Niterói, Belém-Brasília, aeroportos, num modelo de desenvolvimento que tinha no Estado sua força propulsora.

Foi aí que a Constituição de 1988 pegou leis e decretos secundários e os constitucionalizou, olhando o Brasil pelo espelho retrovisor, pelo que já tinha acontecido e não pelo que já começava a acontecer no mundo inteiro.

Olhando o passado, a Constituição de 1988 ainda achava que a economia era o Estado, e foi feita para proibir roubar. Não conseguiu essa proibição pela letra da lei, mas obteve um outro êxito: proibiu fazer. A 8.666, a lei das licitações, é filha desse êxito.

Enquanto caía o Muro de Berlim, caía o socialismo soviético, a internet ligava as pessoas e os mercados, vieram a competitividade internacional, os fluxos de capital de investimentos e os especulativos, no Brasil tinha a reserva de mercado, tabelamento de preços, atraso e caos até a redenção do Plano Real e do nascimento de uma vigorosa economia de mercado.

E o setor público? Continua com suas regras e meios retrógrados, que acreditam que podem proibir roubar por decreto, e só conseguem proibir fazer.

Tem de tudo. Controle interno e controle externo. Exame antecipado de editais e auditorias durante e depois de suas publicações. Departamentos de fiscalização e grupos de fiscais que, contratados por concurso público, têm suas próprias regras garantidas na Carta Magna. E tome Tribunal de Contas, Ministério Público, Controladoria, Ouvidoria, licenças ambientais prévias, audiências públicas, prazos de recurso, decurso de prazo, diários oficiais, comissões de licitação, comissões de inquérito, tomadas de contas especiais, compensações ambientais, alvarás, licenças de implantação, e, como isso tudo custa caro, CPMF, taxas de fiscalização, imposto sobre tudo e sobre todos - e está pronta a receita do não-roubar.

Resultado final: o roubo continua livre, mas o fazer está cada vez mais complicado.

Até porque muitos servidores públicos honestos acabam entendendo que a forma mais simples de não ter que dar explicação é não fazer nada.

É assim que a atividade-meio ganha da atividade-fim, que a ineficiência ganha dos resultados, e que os governos são vistos cada vez com mais desesperança.

Demiti o gerúndio. Demiti o fazendo de conta. Tenho desprezo pelo Diário Oficial numa sociedade que, graças a Deus, tem imprensa livre. Por que não acabar com essa herança medieval de Diário Oficial? Mostrei sua ineficiência demitindo o inexistente, a figura de linguagem. Porque não apareceu nenhum servidor exigindo, para a dita publicação, o seu número de matrícula?

Demiti com desprezo pelas regras retrógradas. Provei-as ineficientes diante da vontade do governante, mesmo quando ridícula.

E não é que publicaram o decreto da demissão do gerúndio?

Com saudades do Hélio Beltrão e com saudades do futuro, mãos à obra para, com ousadia e, se necessário, com irreverência, modernizar o setor público brasileiro.

JOSÉ ROBERTO ARRUDA é governador do Distrito Federal.