Título: Minorias retrocederam, diz especialista
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 25/10/2007, O País, p. 12

Na Anpocs, cientista social critica movimentos que passaram a defender leis e punições severas

CAXAMBU (MG). Faixas exibidas na última parada gay carioca pedindo a criminalização da homofobia inspiraram a crítica do cientista social Rodrigo de Azevedo, da PUC-RS. Para ele, o movimento dos homossexuais, assim como outras forças sociais, como mulheres e negros, optaram por enfrentar suas adversidades usando o mesmo modelo que atacavam no passado: a criação de leis severas e a aplicação de punições. Em mesa-redonda ontem, no 31º Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu (MG), ele lembrou que esses movimentos sempre acreditaram que o sistema penal não é solução, porque só os mais pobres são punidos.

¿ Ao se aproximarem do poder, os movimentos sociais passaram a defender a punição como a melhor forma de contemplar seus direitos. Mas essa é uma falsa idéia. Não resolve, apenas relegitima o sistema penal que tanto criticaram no passado. E, com isso, eles acabaram também perdendo a capacidade de criticar ¿ lamentou.

Defensor de penas alternativas e modelos de mediação de conflitos em lugar de medidas mais severas, Rodrigo foi um dos três expositores da mesa ¿Políticas públicas de segurança: um fracasso?¿. Segundo ele, a juíza militar Maria Lúcia Karan, que cunhou a expressão ¿esquerda punitiva¿, foi a primeira voz a criticar a estratégia da criminalização. O cientista não poupou nem a festejada Lei Maria da Penha, que pune a violência contra mulheres, ao sustentar que leis com essa só alimentam um modelo que já se mostrou fracassado e não resolveu a violência no Brasil:

¿ Infelizmente, quem levanta a questão corre o risco de ser chamado de machista, racista ou homofóbico.

Em dez anos, 2.852 gays mortos por crime de ódio

Diretor cultural do Grupo Arco-Íris, um dos organizadores da passeata no Rio, Júlio César Moreira explicou que o movimento só decidiu pedir a criminalização, com a aprovação do projeto de lei 122-06, da ex-deputada Iara Bernardes (que cria um adendo à lei do racismo, equiparando crimes de ódio aos de racismo), por não suportar mais a escalada da violência contra homossexuais sem uma resposta das autoridades. E citou um estudo do Grupo Gay da Bahia, que contabiliza a morte de 2.852 homossexuais no Brasil, em dez anos, vítimas de crime de ódio:

¿ Sabemos que os presídios estão cheios e que a lei não tem efeito imediato, mas tem papel fundamental na questão da educação, criando novos conceitos e mostrando à população os limites do respeito ao próximo. Não vai se prender a rodo, mas algumas pessoas, para servir de exemplo e sensibilizar outras.

Rio: barulho de tiro é rotina para 45% dos entrevistados

A antropóloga Alba Zaluar, da Uerj, outra integrante da mesa, disse que não há solução para determinados tipos de crime a não ser a aplicação de punições. Ela explicou que defende as políticas de prevenção da violência e considera exagerada a tendência da polícia carioca de resolver o problema apertando o gatilho. Mas disse que não há como abrir mão da ação policial.

¿ Há sujeitos que, por um histórico de abandono, já se tornaram predadores. Bem como precisamos enfrentar a violência policial, também temos de evitar que os predadores continuem causando danos à sociedade.

Alba apresentou os resultados de sua recente Pesquisa Domiciliar de Vitimização, aplicada no Rio. Ela surpreendeu ao revelar que 45% dos entrevistados responderam ouvir com freqüência barulho de tiros próximo de casa. O trabalho mostrou também que 5% já perderam um parente, amigo ou vizinho por causa da violência.

¿ É muita coisa, e não é uma distribuição homogênea. São os jovens que estão perdendo os seus amigos.