Título: Túnel: encostas monitoradas por amostragem
Autor:
Fonte: O Globo, 25/10/2007, Rio, p. 14

CAOS NA CIDADE: Incêndios que fragilizam cobertura vegetal e favelização estariam entre as causas do deslizamento

Secretário de Obras admite que acompanhamento das condições geológicas do Rebouças não é sistemático

As encostas do Túnel Rebouças, a mais importante via de acesso entre as zonas Norte e Sul do Rio, não contam com um monitoramento sistemático das condições geológicas. O secretário municipal de Obras, Eider Dantas, admitiu que a Geo-Rio faz um acompanhamento da situação das encostas da cidade por amostragem. As exceções são a Avenida Niemeyer e a Serra da Grota Funda, que têm monitoramento permanente. O problema no Rebouças não foi identificado pela Geo-Rio, mas por agentes da Coordenadoria de Vias Especiais (CVE), que controla o trânsito na área.

- Fazemos um monitoramento preventivo, por amostragem, porque o Rebouças nunca caiu. Em 15 anos, o primeiro deslizamento foi esse. Na Niemeyer, eu tenho relatórios mensais. Na Grota Funda, idem - disse o secretário.

As causas dos sete deslizamentos de terra até as 18h de ontem na encosta do Rebouças ainda são desconhecidas, mas já provocaram discórdia entre estado e prefeitura. Eider Dantas - a quem está subordinada a Geo-Rio - se eximiu de culpa. Num primeiro momento, Eider responsabilizou a Cedae pela suposta existência de uma ligação clandestina que teria se rompido. Mais tarde, culpou São Pedro pelas fortes chuvas, comparadas a um dilúvio - embora os primeiros deslizamentos tivessem sido identificados anteontem, quando não havia chovido muito forte na cidade:

- Foram 230 milímetros de chuva em 24 horas. Só Papai do Céu para segurar a peteca - disse o secretário.

Primeiro deslizamento foi antes da chuva forte

De manhã, Eider atribuiu o problema a uma infiltração no solo causada por ligações clandestinas supostamente feitas na rede da Cedae por moradores do Morro do Cerro-Corá, próximo à galeria do túnel. A hipótese foi descartada pelo presidente da Cedae, Wagner Victer, que enviou uma equipe para inspecionar o local e não encontrou qualquer tubulação rompida.

- Tivemos um problema semelhante há alguns anos. Removemos casas de área de risco, construímos um muro de contenção e reflorestamos o trecho. Recebemos denúncias de que o problema foi causado pelo rompimento de uma tubulação da Cedae provocada por ligações clandestinas - disse Eider.

Victer disse que não existe no Cerro-Corá qualquer adutora, única possibilidade para tamanho deslizamento. E lembrou que o controle urbano, que inclui o combate ao crescimento das favelas, é uma atribuição municipal:

- Quem cuida de contenção de encostas é a Geo-Rio. E o controle urbano também é atribuição municipal.

Dados das estações pluviométricas do Alerta-Rio revelam que terça-feira, quando ocorreu o primeiro desmoronamento, praticamente não chovia na cidade. As duas unidades de medição mais próximas ao local do deslizamento - Laranjeiras e Jardim Botânico - apontaram índices pluviométricos, respectivamente, de 3 e 5 milímetros durante as 24 horas monitoradas. Às 23h57m de terça-feira, no acumulado do mês, a chuva não passava de 20 milímetros. A partir daí, até o início da noite de ontem, choveu 115 milímetros no Jardim Botânico e 135 milímetros em Laranjeiras.

O prefeito Cesar Maia afirmou que o deslizamento não tem qualquer relação com a existência da favela no Cerro-Corá. E, apesar das informações dos técnicos de que os deslizamentos foram anteriores ao temporal, apontou as chuvas como principais responsáveis pela queda de barreira.

- Em 1994, houve um problema parecido. Fizemos obras no túnel e um muro de contenção, que resistiu aos deslizamentos. As razões serão analisadas. Quando a chuva é contínua, ou muito forte num ponto, a água chega à rocha e provoca deslizamento. Estamos monitorando as áreas ocupadas por comunidades onde pode haver risco de vida - disse Cesar.

Longe da polêmica, os técnicos da Defesa Civil do município apontavam outra suspeita. O coordenador do órgão, João Carlos Mariano, disse que incêndios dos últimos meses na encosta reduziram a cobertura vegetal, fragilizando o solo. Mariano descartou a hipótese de o primeiro deslizamento ter sido provocado por chuvas:

- Técnicos da Coordenadoria de Vias Especiais viram que pequenos fragmentos estavam se desprendendo da encosta, mas não estava chovendo. Desde ontem (anteontem), o terreno desliza e se estabiliza; depois, recomeça tudo de novo, desliza e se estabiliza; escorre mais um pouco. Isso é atípico. Um terreno não se desestabiliza sem que alguma coisa provoque isso. Uma das hipóteses, por exemplo, é a existência de uma construção com algum tipo de vazamento de água - disse.

A coordenadora do Laboratório de Geo-Hidroecologia (Geoheco) da UFRJ, Ana Luíza Coelho Neto, não acredita que a chuva tenha sido a causa do primeiro desmoronamento.

- A entrada de chuva depois de um longo período de seca pode desestabilizar o solo - disse André Avelar, geólogo e professor do Departamento de Geografia da UFRJ.

Engenheiro diz que favelização aumenta risco

O engenheiro da Coppe/UFRJ Maurício Ehrlich também cita o problema da estiagem como uma das causas. Mas acrescenta que, com a escalada da favelização da cidade, as áreas de risco de deslizamento aumentaram.

O geólogo da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) Ivo Medina explica que, de acordo com o mapa geológico do Rio, na região onde houve o deslizamento a rocha é do tipo leucogranito gnáissico, também conhecida pela denominação "granito Cosme Velho", que é bastante suscetível à erosão:

- Isso, somado à inclinação da encosta, faz com que aumente o risco de deslizamentos no local - disse.

Em outubro de 2006, cariocas também foram apanhados de surpresa quando pedras de até cinco toneladas desmoronaram no acesso ao Túnel do Joá, atingindo dois carros na pista e ferindo levemente duas pessoas. Para a contenção, a Lagoa-Barra foi fechada, provocando um grande engarrafamento.