Título: O salve-se-quem-puder no meio da enchente
Autor:
Fonte: O Globo, 25/10/2007, Rio, p. 14
Com o clássico jeitinho, saco plástico vira galocha e carrinho de entrega de mercadorias serve de transporte.
Diante das ruas alagadas, os cariocas, com seu famoso jeitinho, improvisaram métodos para chegar, se não a seco, pelo menos sem água pelos joelhos, a seus destinos. No Centro, os pedestres enfrentaram o rio em que a Rua da Alfândega se transformou munidos de sacos plásticos. Eles eram vendidos por um ambulante que resolveu lucrar com o temporal. O técnico em telecomunicações Edilson Ribeiro pôs a proteção em uma das pernas e atravessou, pulando em um pé só, o aguaceiro.
¿ Comprei o saco plástico por R$1, é o único jeito ¿ disse Edilson, antes de enfrentar as poças d'água tal qual um Saci.
Depois de usados, os sacos eram reaproveitados:
¿ Joga ele para cá ¿ gritou do outro lado da rua uma mulher que acabou assistindo o saco sendo levado pela correnteza.
Travessia da Uruguaiana em burro-sem-rabo sai por R$1
Mais adiante, na Rua Uruguaiana, dois rapazes também resolveram lucrar com o temporal, fretando um burro-sem-rabo. A travessia de um lado a outro custava R$1. Em menos de uma hora, mais de dez pessoas já tinham utilizado o transporte.
¿ Não quero ficar aqui não, me leva para outra esquina ¿ disse uma adolescente.
As cenas de caos se repetiam em vários pontos, entre eles um local que é um velho conhecido por causa das enchentes, a Praça da Bandeira. A praça, mais uma vez, ficou inundada. Com medo de ultrapassar o lago que se formou na Avenida Radial Oeste, motoristas pararam em cima do Viaduto dos Marinheiros.
Como é de costume, os rios Maracanã e Joana transbordaram na altura do estádio e da Uerj. Por causa disso, o trânsito nos arredores ficou caótico. Sem saber que os acessos à Tijuca estavam alagados, a professora Cristina Gomes de Souza tentava ultrapassar uma poça da Praça da Bandeira para chegar em casa:
¿ E agora? Por onde eu vou? ¿ perguntou a professora a uma equipe de reportagem do GLOBO. ¿ Não tem nenhum guarda para orientar os motoristas ¿ completou ela.
Entre as principais vias do Centro, a Avenida Mem de Sá e a Rua do Riachuelo ficaram interditadas durante a manhã, devido aos alagamentos. Na Rua do Lavradio, os pedestres transitavam com água na altura do joelho. Na esquina da Rua André Cavalcanti com a Rua do Riachuelo, o volume de água era tanto que formava uma correnteza. Pedestres e comerciantes tentavam se refugiar dentro das lojas.
Ladeiras viram quedas d'água em Santa Teresa
O volume de água foi tanto que até mesmo ruas do alto de Santa Teresa ficaram alagadas. Já as ladeiras de acesso ao bairro lembravam cachoeiras.
¿ Nunca tinha visto enchente em ladeira. Estou impressionada ¿ comentou a médica Maria Borges, que se mudou para o bairro há uma semana.
Na Zona Sul, os motoristas enfrentaram alagamentos na Avenida Epitácio Pessoa, esquina com Rua Fonte da Saudade, além da Avenida Lineu de Paula Machado, em frente ao Clube Militar.
¿ Há três anos enguicei nessa poça da Lineu de Paula Machado, mas ninguém dá jeito nisso ¿ reclamou o taxista Alfredo Carlos de Assis.
Na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, no início da manhã, a água chegou a cobrir a calçada, fazendo com que os carros só pudessem usar uma das faixas de rolamento. A Rua Bambina também ficou com trechos alagados. Em Copacabana e no Leme, também não faltaram enormes poças, algumas delas conhecidas, como a que sempre se forma nas proximidades do Hotel Ibero Star, na esquina da Avenida Princesa Isabel com a Rua Gustavo Sampaio.