Título: Cabral defende o aborto para reduzir crimes
Autor: Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 25/10/2007, Rio, p. 29

Governador compara natalidade na Rocinha com o padrão na África e diz que "isso é uma fábrica de produzir marginais"

O governador Sérgio Cabral afirmou que as altas taxas de natalidade em localidades pobres, como a Rocinha, são verdadeiras fábricas de marginais. Em entrevista concedida ao site G1 na segunda-feira e divulgada ontem, ele defendeu a legalização do aborto, que deveria ser realizado, de acordo com o governador, na rede pública de saúde.

- Sou favorável ao direito da mulher de interromper uma gravidez indesejada. Sou cristão, católico, mas que visão é essa? Esses atrasos são muito graves. Não vejo a classe política discutir isso. Fico muito aflito. Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginais - afirmou Cabral.

As declarações do governador tiveram grande repercussão durante o dia. A Embaixada do Gabão no Brasil repudiou as declarações de Sérgio Cabral e emitirá uma nota oficial. O reitor da PUC, padre Jesús Hortal, lamentou a afirmação do governador:

- O índice de natalidade caiu mesmo em áreas carentes, o governador deveria atualizar seus números. Não se pode combater a violência com uma outra violência ainda maior: atentar contra a vida de uma criança concebida.

Para o líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar, as afirmações de Cabral foram nazi-fascistas e racistas. O deputado federal defendeu a difusão de informações sobre contraceptivos e planejamento familiar.

- Opor "padrão Suécia" a "padrão Zâmbia" é eurocentrismo neocolonialista. Defender aborto como meio de controle da natalidade dos pobres, por serem estes potenciais criminosos, é justificar políticas de extermínio, além de ofensa às mulheres da Rocinha e de todas as comunidades pobres - disse.

Aborto pode reduzir criminalidade, diz especialista

O presidente da Associação de Moradores da Rocinha, William de Oliveira, declarou-se a favor da vida.

- Não adianta só discursar, dizer que a criminalidade vai ser combatida de uma forma ou de outra. É preciso dar educação - disse William.

O presidente da OAB do Rio, Wadih Damous, também defendeu a legalização do aborto, mas não como uma política de controle de natalidade.

Nem todos os especialistas, no entanto, discordam do governador. Para Gabriel Hartung, que coordenou o estudo sobre criminalidade em tese de doutorado da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), há evidências fortes de que a legalização do aborto ajuda na redução da criminalidade.

- Estudos mostram que a criminalidade nos Estados Unidos caiu bastante 20 anos depois da legalização do aborto. O mesmo aconteceu no Canadá e na Finlândia. Em São Paulo, há essa evidência sobre gravidez na adolescência e mães solteiras (de que crianças geradas nessas condições têm mais chance de entrar na criminalidade). Parece ser algo universal - disse Hartung ao site G1.