Título: Companheiros empresários
Autor: Jungblut, Cristiane e Beck, Martha
Fonte: O Globo, 25/10/2007, Economia, p. 31

Lula apela por investimentos, mas descarta redução de impostos. Slim promete R$2 bi.

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ontem a 96 dos maiores empresários do país que mantenham o otimismo e continuem investindo para que não faltem produtos no mercado brasileiro. O apelo ocorreu uma semana depois de o Banco Central (BC) interromper um ciclo de dois anos de cortes da taxa de juros, devido ao temor de que a indústria não consiga atender ao crescente consumo doméstico, o que geraria inflação. No entanto, segundo os empresários, Lula deixou claro que não tem condições de oferecer como contrapartida uma redução da carga tributária neste momento - um desejo do empresariado, que estimularia a injeção de novos recursos na ampliação da capacidade produtiva do país.

O encontro, convocado por Lula e o maior já feito com lideranças empresariais no Palácio do Planalto, também foi uma tentativa do presidente de melhorar a percepção interna em relação à economia. Lula já havia manifestado preocupação com o fato de que investidores estrangeiros parecem estar mais confiantes no país do que os próprios empresários brasileiros. Essa observação foi feita pelo presidente em suas recentes viagens internacionais e é compartilhada por vários ministros.

Presidente evitou falar de CPMF

Participaram da reunião nomes de peso da economia nacional, de ramos que vão do varejo à petroquímica, passando pela agroindústria, a construção civil e o sistema financeiro. Eles saíram do encontro elogiando o entusiasmo de Lula e ressaltando que o Brasil passa por uma boa fase de crescimento. Pelo lado do governo, estiveram os ministros da Casa Civil, Dilma Rousseff; da Fazenda, Guido Mantega; do Desenvolvimento, Miguel Jorge; e do Planejamento, Paulo Bernardo; além dos presidentes do BNDES, Luciano Coutinho, e da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.

- Assusta quando a gente ouve dizer que a capacidade instalada já chegou a 87%. E nós sabemos que não pode chegar a mais do que isso se não houver, concomitantemente, os investimentos de que o Estado precisa para que a gente não tenha a volta da chamada demanda maior do que a oferta. E o resultado disso é o surgimento de mercado paralelo, o resultado disso é a volta da inflação, ou seja, é o desajuste da economia brasileira - alertou o presidente Lula em seu discurso para o empresariado.

Para o presidente da Votorantim Industrial, José Roberto Ermírio de Moraes, Lula foi pragmático: - Foi uma conversa franca. O presidente Lula fez um discurso otimista e pragmático para que os empresários continuem acreditando e investindo no país. Ele reconheceu que este é um momento em que o Brasil precisa dessa carga tributária.

- As possibilidades do governo são menores do que a expectativa que o próprio governo gera, e menores que a expectativa do que a demanda exige que a gente possa atender - disse o presidente em seu discurso.

Lula defendeu enfaticamente a reforma tributária, que disse estar pronta, dependendo apenas de negociações finais com estados e municípios. Chamando os empresários de companheiros, afirmou, contudo, que reformas não resolverão tudo:

- Só queria chamar a atenção de vocês para a gente não vender gato por lebre e achar que as coisas dependem apenas de uma reforma. Da parte do governo federal não tem nenhum senão com a reforma tributária.

Já os empresários cobraram do governo que as mudanças sejam feitas, mesmo que os efeitos não sejam imediatos.

- A questão é o governo sinalizar, e isso foi dito na reunião, que, a longo prazo, a carga tributária poderá diminuir, e o Estado, adaptar-se a essa nova carga. Esse é o caminho para uma receita de crescimento ainda mais sustentável e mais vigoroso - disse Ermírio de Moraes.

- O presidente entende que a reforma tributária tem que ser executada. Falou-se em quatro reformas: tributária, Previdência, trabalhista e eleitoral - afirmou o presidente da Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter.

Lula evitou, porém, tratar diretamente da prorrogação da CPMF, à qual entidades empresariais se opõem. Diante da insistência dos jornalistas em saber por que o tema ficou de fora das conversas, Mantega afirmou:

- Não tem que debater todas as questões numa única reunião. Vocês (jornalistas) têm idéia fixa com CPMF.

O presidente da Votorantim afirmou que a reunião foi positiva e destacou o discurso alinhado e otimista do presidente e dos ministros presentes. Segundo ele, os empresários fizeram questão de dizer a Lula que, quando reclamam da carga tributária, do câmbio ou dos gargalos da infra-estrutura, isso não é uma crítica ao governo, mas uma mensagem construtiva.

O vice-presidente da GM, José Carlos Pinheiro Neto, disse que o ministro Mantega fez uma "boa apresentação, mostrando uma situação favorável para o futuro".

- O presidente Lula fez um discurso extremamente entusiasmado - destacou.

- O presidente convenceu os empresários a participarem do processo de crescimento - acrescentou Adalgiso Telles, diretor-corporativo da Bunge Alimentos.

Empresária cobra redução dos gastos

Já o presidente da Nestlé do Brasil, Ivan Zurita, disse que o mercado nacional é prioridade para a empresa:

- O Brasil continua sendo uma prioridade do grupo. Duplicamos a companhia no Brasil em quatro anos e meio. Eu me sinto bastante confortável em duplicar uma companhia desse tamanho, de R$12 bilhões. Significa que houve um aumento de consumo e a melhoria do poder aquisitivo, especialmente das áreas menos favorecidas. Isso automaticamente gera investimento.

A proprietária da rede de lojas Magazine Luiza, Luiza Trajano, ressaltou que o setor de varejo está crescendo a um ritmo acima de 10%. No encontro, ela cobrou do governo uma redução dos gastos públicos, dizendo que a conta apresentada pelo governo de que as despesas estão se reduzindo são diferentes das feitas pelos empresários.

No fim da tarde, Lula recebeu outro peso-pesado, o empresário mexicano Carlos Slim, controlador da Claro e da Embratel. O homem mais rico do mundo anunciou que a intenção da Claro é investir no país, no ano que vem, mais de R$2 bilhões para aumentar sua capacidade e cobertura nacional. O empresário, que diz compartilhar com Lula a preocupação com a inclusão digital, quer a expansão da banda larga e se entusiasmou com a notícia de que o Brasil está vendendo mais computadores do que televisores.

COLABORARAM Chico de Gois e Luiza Damé