Título: Governador, agora, diz que é contra o aborto
Autor: Berta, Ruben
Fonte: O Globo, 26/10/2007, Rio, p. 23

Declaração anterior de Sérgio Cabral provocou polêmica e reação da Igreja Católica e de moradores de favelas

Apesar de ter dito na segunda-feira, em entrevista ao site de notícias G1, ser "favorável ao direito da mulher de interromper uma gravidez indesejada", o governador Sérgio Cabral mudou o tom ontem. Procurado pelo GLOBO, ele informou, desta vez em nota enviada por sua assessoria de imprensa, que é "pessoalmente contra o aborto, mas francamente a favor do debate sobre o tema".

Cabral também procurou amenizar a polêmica declaração de que as altas taxas de natalidade em localidades como a Rocinha são "fábricas de marginais". De acordo com a nota enviada ontem, o governador "deixou claro que, quando uma mulher tem uma vida desestruturada socialmente, com muitos filhos, e não tem condições de atender as demandas dos filhos, a chance de essa criança, futuramente, se envolver com a criminalidade é maior".

Apesar do recuo do governador, as declarações ainda ecoaram negativamente, principalmente entre representantes de moradores de favelas e da Igreja Católica. O vice-presidente da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj), José Nerson de Oliveira, taxou as afirmações de preconceituosas:

- Quer dizer então que só é bandido quem é filho de pobre? Em muitos casos, os ricos preferem cuidar de dois, três cachorros, em vez de ajudar o filho da empregada.

O cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer, reagiu com indignação às afirmações. Ele taxou como "muito grave" a associação da taxa de natalidade entre pobres à escalada da violência no Rio:

- Isso reflete um profundo preconceito do governador e supõe que, para ele, a solução para a violência é a eliminação dos pobres - disse.

O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Geraldo Lyrio Rocha, evitou comentar as declarações de Cabral, mas reafirmou a oposição da Igreja à legalização do aborto:

- A Igreja tem posição clara e definida a favor da vida desde o primeiro instante em que essa vida existe. Somos contrários ao aborto e à eutanásia.

Mestre em antropologia social e sociologia pela UFRJ, Christina Vital, do Instituto de Estudos da Religião, afirmou que é muito perigoso relacionar problemas de segurança com taxas de natalidade entre camadas pobres da população. Para ela, a tese de Cabral ratifica a criminalização da pobreza:

- No início do século XX, tínhamos 820 mil habitantes no Rio e já havia problemas. Não é questão de natalidade, mas sim de desigualdade social.

Em seu ex-blog na internet, o prefeito Cesar Maia também aproveitou para pegar carona na polêmica, citando o livro "Freakonomics", best-seller dos americanos Steven Levitt e Stephen J. Dubner, que havia sido citado por Cabral para justificar a relação entre violência e altas taxas de natalidade nas camadas mais pobres: "A correlação com o aborto é uma alegoria usada no livro. Não é para levar a sério, governador".

A nota enviada pela assessoria de imprensa do governador ontem reforçou a referência ao livro: "O Freakonomics mostra que, nos EUA, quando legalizado o aborto, percebeu-se uma relação importante com a queda da criminalidade mais adiante". Na Alerj, o tema também gerou polêmica. O deputado Comte Bittencourt (PPS) disse que a Casa precisa ficar atenta à postura do atual governo:

- O que me parece é que o governador está tentando ganhar parte da classe média com este discurso.