Título: Os sindicatos passaram a ser parte do Estado
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 28/10/2007, O País, p. 8
Para cientista político, ex-petista e ministro de FH, dependência de sindicatos se agravou no governo Lula.
Ex-militante do PT e ministro da Cultura no governo Fernando Henrique Cardoso, o cientista político Francisco Weffort, pesquisador do Instituto de Estudos de Políticas Econômicas e Sociais (Iepes), vê na reação ao fim do imposto sindical obrigatório - aprovado na Câmara e em tramitação no Senado - um sintoma de dependência dos sindicatos em relação ao governo, agravada na gestão do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Para Weffort, os escândalos envolvendo sindicalistas podem ser frutos da cultura sindical, em que não há fiscalização sobre o dinheiro pago pelo trabalhador ou sobre o repassado pelo governo.
Qual sua opinião sobre o projeto de lei aprovado pela Câmara que prevê o fim do imposto sindical obrigatório?
FRANCISCO WEFFORT: É um passo para acabar com o imposto. Será a primeira medida - se aprovada pelo Senado - contra o imposto sindical em mais de 60 anos, desde que foi criado por Getulio Vargas. É extremamente importante porque o imposto sindical vem sendo criticado desde sua implantação como um recurso que multiplica as burocracias sindicais e não necessariamente serve ao movimento sindical. É um paradoxo, pois todos os partidos que fizeram campanha contra o imposto estiveram no poder em algum momento e apoiaram a manutenção do imposto. Todos foram absorvidos. A decisão da Câmara pode abrir uma discussão mais profunda sobre o modelo sindical brasileiro, calcado no corporativismo. Existem dois problemas. Um é a exorbitância, já que temos mais de 11 mil sindicatos de trabalhadores no Brasil hoje, e o outro é o controle público precário.
Na oposição, Lula e o PT defendiam o fim do imposto. Agora o governo ajuda os sindicatos a pressionarem o Senado para derrubar a decisão da Câmara. Como o senhor explica a mudança de posição?
WEFFORT: É outra coisa paradoxal. O movimento sindical nascido no ABC, com a greve de 1978 que o Lula dirigiu, sempre quis acabar com o imposto sindical. O grande problema, quando o movimento começou, era o das federações sindicais que não se renovavam, eram estruturas conservadoras dentro do movimento sindical. A influência política do Lula cresceu e criou-se a CUT, mas a CUT se apóia na mesma estrutura conservadora criada por Getulio.
O aumento da influência petista e do governo Lula sobre a estrutura sindical pode explicar a mudança de posição?
WEFFORT: Os sindicatos foram absorvidos pelo Estado, não é nem pelo governo. As centrais recebem recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Quando o novo sindicalismo cresceu, em vez de mudar a estrutura do Estado, foi absorvido pelo Estado. Isso acontece desde antes de Lula chegar à Presidência. Quando chegou, virou sopa no mel. Os sindicatos passaram a ser parte do Estado.
Isso explica o apoio do governo à pressão das centrais sindicais sobre o Senado?
WEFFORT: Minha suposição é que existe uma aliança entre os burocratas sindicais com os burocratas das grandes organizações empresariais para manter o imposto. Porque em nome do benefício que traria para o trabalhador se justifica um ralo de escape de recursos públicos como o sistema S (Sesi, Sesc, Senai, financiados com uma taxa cobrada pelos sindicatos patronais). O mesmo modelo que criou o sindicato corporativista criou também a Fiesp e a Firjan. Tanto os sindicatos de trabalhadores quanto o sistema S ocupam uma parcela significativa de dinheiro público que não passa por qualquer fiscalização.
Quais os reflexos dessa cultura sindical de gestão financeira sem fiscalização em um governo repleto de sindicalistas?
WEFFORT: A corrupção tem muitas fontes e raízes. Todos os sistemas em alguma medida têm algum grau de corrupção. Mas, no caso, esta facilidade com que o governo Lula cai em lambanças deste tipo vem do fato de que nunca tiveram muita preocupação de controle do recurso público que tinham na mão na estrutura do sindicato. Eles tinham um dinheiro pelo qual não precisavam fazer força alguma e sobre o qual ninguém tinha controle. Não estou dizendo que todos os sindicalistas sejam corruptos, mas, na falta de controle, sempre surgem aquelas personalidades que estão preparadas para fazer negócios que significam malversação de dinheiro público. E não é apenas no caso do dossiê (dos aloprados, escândalo protagonizado por ex-sindicalistas como Osvaldo Bargas e Jorge Lorenzetti). Toda uma ousadia, uma audácia que se revelou no governo Lula, mais do que em qualquer outro governo anterior, tem algo a ver com esse tipo de tradição.
A pressão sobre o Senado pode dar resultado?
WEFFORT: Estamos chegando a um ponto em que o corporativismo (sindical) exorbitou de tal maneira que tenta se impor ao sistema representativo (representado pelo Congresso). E isso realmente é muito grave. Se caminharmos nesse rumo, a democracia brasileira, que não tem uma tradição de grande força institucional, estará sendo gravemente debilitada.
As centrais sindicais alegam que a mudança abrupta na cobrança do imposto, sem formas alternativas de financiamento, pode acabar com o movimento sindical.
WEFFORT: Tanto isso não é verdade que há uma porcentagem de sindicatos que devolvem o imposto voluntariamente, sem a solicitação do trabalhador. O movimento sindical real não depende do imposto. Quem depende é uma burocracia que tem o seu empreguinho numa diretoria de sindicato.
Os sindicatos de trabalhadores urbanos têm outras fontes de renda, mas os rurais, que dependem quase exclusivamente do imposto, não correm o risco de desaparecer?
WEFFORT: Eventualmente pode prejudicar um sindicato rural que não tenha outra condição de se sustentar sem o dinheiro público. Mas quando um movimento social depende do dinheiro público, ele, na verdade, depende do político que controla o dinheiro.
Tendo em vista que são os sindicatos rurais que denunciam, por exemplo, casos de trabalho escravo no campo, os trabalhadores do setor não ficarão desprotegidos?
WEFFORT: No mundo rural o que há hoje é o MST, que também depende de recursos públicos. Em vez de enfraquecer os sindicatos, o fim do imposto vai revitalizar o movimento porque só vai entrar na entidade o trabalhador que realmente quer um sindicato. Acaba o chamado sindicato de carimbo. O sindicato no Brasil hoje é um cartório.
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