Título: Trânsito, que mata 35 mil por ano, também é loteado entre políticos
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 28/10/2007, O País, p. 14

"Não tenho qualquer ligação direta com o setor de transporte", diz diretor da ANTT.

BRASÍLIA. Prática comum na administração pública brasileira, a divisão de cargos segundo critérios políticos não poupa nem mesmo órgãos de trânsito encarregados de resolver problemas de um setor que mata 35 mil pessoas por ano. As indicações partidárias ignoram exigências mínimas de formação técnica e definem quem comanda órgãos como o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

A ANTT é responsável pela fiscalização das empresas de transporte de cargas e passageiros, pelas concessões de rodovias federais e a revisão de tarifas de pedágios. Começou a funcionar em 2002, no último ano do governo Fernando Henrique e, desde então, convive com acusações de uso político.

O diretor-geral da agência é o engenheiro civil José Alexandre Nogueira de Resende, filho do senador Eliseu Resende (DEM-MG). Eliseu, quando deputado federal, foi relator na Câmara do projeto de criação da ANTT.

Embora a filiação seja apontada por adversários como o fator decisivo da indicação, José Alexandre tem um histórico de serviços no setor de transportes e energia. Ele já presidiu a Rede Ferroviária Federal, foi diretor da Companhia Brasileira de Trens Urbanos e da Eletrobrás. Não é o caso de outros diretores da ANTT indicados pelo presidente Lula, como o publicitário Francisco de Oliveira Filho, que é sobrinho do ministro das Comunicações, Hélio Costa, e o advogado Gregório de Souza Rabêlo Neto.

Gregório é um ex-chefe de assessoria parlamentar dos Ministérios da Agricultura e Esporte e Turismo, ambos no governo Fernando Henrique. Ele foi indicado pelo senador Valmir Amaral (PTB-DF), um empresário do setor de transporte coletivo. Na ANTT, Gregório tem, entre suas funções, a responsabilidade de fiscalizar a atuação das empresas de ônibus que ligam Brasília aos municípios de Goiás, no entorno do Distrito Federal.

- Não tenho qualquer ligação direta com o setor de transporte. Todos têm a sua indicação. Num sistema político como o nosso, não tem quem ocupe um cargo de alto escalão como este que não seja indicação política. Não vejo problema (em ser indicado por um empresário cuja empresa é fiscalizada pela ANTT). A não ser que a pessoa seja parcial, e eu não sou parcial - diz Gregório.

No Dnit, órgão responsável pela construção de estradas e dono de um orçamento bilionário, o novo diretor-geral, Luiz Antônio Pagot, teve de esperar seis meses para que o Senado aprovasse a sua nomeação. Ele foi indicado pelo governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), aliado de Lula. Na gestão de Maggi, Pagot chefiou a Casa Civil e ocupou as secretarias de Infra-Estrutura e Educação. No Senado, foi acusado de omitir que havia trabalhado como servidor do Casa no período em que era diretor-superintendente de uma empresa de Blairo Maggi no Amazonas, entre 1995 e 2002.

- Pagot cometeu um crime grave, infringindo a Lei do Servidor. É uma clara indicação política. Ele dirigia uma empresa de navegação do governador e passa para um órgão de estradas - acusa o senador Mário Couto (PSDB-PA), que quer criar uma CPI para investigar o Dnit.

No Denatran, que supervisiona as ações dos Detrans nos estados e implementa as diretrizes do Conselho Nacional de Trânsito, o diretor Alfredo Peres da Silva assumiu em 2005, após o ministro Márcio Fortes (PP) substituir o petista Olívio Dutra. A nomeação de Alfredo chegou a ser cancelada após ser publicada no Diário Oficial, em 2005. O então diretor Ailton Brasiliense retomou o cargo, mas depois acabou saindo.

Um projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso naquele ano propõe que o Denatran seja transformado em autarquia. A proposta foi aprovada na Câmara e está no Senado. A oposição suspeita que a iniciativa possa viabilizar um novo trem da alegria no serviço público, ao permitir que os atuais servidores permaneçam por tempo indeterminado, enquanto a autarquia não contar com quadro próprio de pessoal.

O autor intelectual desse projeto seria Brasiliense, homem de confiança da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que estaria tentando emplacá-lo no comando da nova autarquia.

COLABOROU Adriana Vasconcelos