Título: Pediatras alertam para risco de remédios
Autor: Marinho, Antônio
Fonte: O Globo, 28/10/2007, Ciência e Vida, p. 50

Abuso de medicamentos e suplementos alimentares provoca danos graves à saúde de crianças e adolescentes.

O alerta da Academia de Pediatria dos Estados Unidos, há uma semana, pedindo a proibição de remédios de venda livre para resfriados e tosse usados em menores de 6 anos tem o apoio de pediatras brasileiros. E antigripais não são a única ameaça às crianças e aos adolescentes. Há excessos na indicação de drogas contra hiperatividade e suplementos alimentares, com conseqüências graves.

Mesmo substâncias de venda livre, aparentemente inofensivas, podem causar danos sérios à saúde. Segundo pediatras, muitos dos antigripais nunca foram testados nessa faixa etária. Uma revisão da Administração de Remédios e Alimentos dos EUA (FDA, na sigla em inglês) só encontrou 11 estudos com crianças, em mais de 50 anos. As pesquisas não confirmaram a eficácia desses medicamentos na infância, incluindo anticongestionantes, expectorantes, anti-histamínicos e drogas contra tosse (antitussígenos). Pelo contrário, especialistas americanos relatam casos de óbitos e alucinações em crianças que usavam remédios contra resfriado comum. A FDA, porém, não comprovou esses dados.

Criança tem metabolismo diferente do adulto

Para a pediatra Isabel Rey Madeira, do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), drogas desse tipo nem deveriam ter venda livre, especialmente para lactentes e pré-escolares, mais vulneráveis:

¿ Esses remédios podem causar distúrbios neurológicos, arritmias cardíacas, alergias e danos aos rins, com risco de morte ¿ diz Isabel. ¿ Descongestionantes ressecam as secreções, dificultando sua eliminação. Antitussígenos impedem a saída de secreções dos brônquios. E anti-histamínicos servem para alergias, não para resfriados.

Ela explica que a metabolização de medicamentos na criança é diferente do adulto.

¿ A criança não é um miniadulto. Ela não deve ter a dose adaptada apenas ao seu tamanho ou peso, mas em função de sua fisiologia ¿ diz.

Na saúde mental, a automedicação é o principal problema. Segundo o pediatra Ricardo Halpern, membro do Departamento de Saúde Mental da SBP, não se pode negar os benefícios que medicamentos podem trazer, mas o uso isoladamente não é suficiente para resolver a maioria dos transtornos emocionais na infância e adolescência.

No caso de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), há crianças diagnosticadas erroneamente e tomando medicação, como metilfenidato (substância da Ritalina, por exemplo), sem necessidade.

¿ Como qualquer droga, o metilfenidato tem efeitos colaterais. Quando o diagnóstico é correto, o remédio traz benefícios. O adequado na TDAH é farmacoterapia associada a mudanças na família e na escola ¿ diz Halpern, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre.

Estimulante de apetite prejudica reflexo

Abusos acontecem também com produtos nutricionais. Há mães que sofrem porque acham que o filho não está se desenvolvendo e apelam para os suplementos. Isso se deve, em parte, à falta de avaliação de hábitos alimentares e estilo de vida das crianças por parte de médicos. Levantamento do Ministério da Saúde constatou que apenas 15% das crianças tinham alguma anotação no gráfico de controle de peso na cartão de saúde.

¿ Esse é um dos motivos da prescrição de suplementos medicamentosos ou alimentares baseada na simples observação da família. Há mães que usam esses produtos de forma não controlada e em grande quantidade, como se fossem achocolatados. Eles são ricos em proteínas, mas a alimentação das crianças tem proteínas em excesso. Há sobrecarga dos rins e, dependendo da idade, aumenta a chance de obesidade ¿ diz Roseli Oselka Saccardo Sarni, presidente do Departamento Científico de Nutrologia da SBP.

Isso quando as mães não recorrem a estimulantes de apetite, se os filhos fazem pirraça para comer. Segundo Roseli, crianças saudáveis não precisam destes medicamentos.

¿ Podem mascarar a causa da falta de apetite ou do desenvolvimento insatisfatório. Esses estimulantes contêm anti-histamínicos, que causam sonolência e redução dos reflexos, prejudicando as atividades da criança ¿ alerta.

O pediatra e especialista em nutrição infantil Mauro Fisberg concorda:

¿ Estimulantes de apetite são pouco eficazes e não resolvem a causa. Aftas, cáries, gengivites e aparelhos ortodônticos, entre outros fatores, causam perda temporária de apetite. Suplementos podem complementar dieta deficiente, mas devem ser indicados pelo pediatra ¿ diz Fisberg, professor do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente na Unifesp.

Drogas não testadas contra problemas banais

Fátima Lindoso Lima, professora da Universidade Federal de Goiás e membro do Departamento de Gastroenterologia da SBP, vê com preocupação o excesso de medicamentos na infância. Ela conta que na sua área é comum atender crianças que estão tomando medicação para tratar refluxo. Em muitos casos, é um sintoma fisiológico e desaparece espontaneamente:

¿ Tem médico que ao primeiro sinal de vômito receita. Este é um sintoma comum, pelo menos até o quarto mês, e nem sempre significa refluxo. Algumas drogas indicadas para refluxo, como omeprazol, só têm estudos com adultos.

A indústria farmacêutica, por sua vez, contesta informações de que medicamentos usados em crianças são perigosos. Pelo menos no que diz respeito aos antigripais vendidos sem receita, os laboratórios dizem que eles são seguros, desde que na dose certa. Mas admitem que os pais precisam ser mais bem informados para evitar a superdosagem, que pode ser fatal.

Entre os produtos para tratar resfriados em crianças estão o Dimetapp (do Wyeth), o Pediacare (da Johnson & Johnson) e o Triaminic (da Novartis). Para Cláudio Santos, diretor-médico do Wyeth Consumer Healthcare, as drogas para controle dos sintomas associados à gripe e a resfriados em crianças são classificadas pela FDA como GRAS (Generally Recognized as Safe) e GRAE (Generally Recognized as Effective), ou seja, seguros e eficazes quando usadas de acordo com as bulas:

¿ Estão sendo feitos mais estudos clínicos na população infantil, deixando-se de usar dados obtidos com adultos. Os medicamentos registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária tiveram sua eficácia e segurança revisadas antes de aprovação. No Brasil, o Dimetapp pediátrico é vendido apenas com receita. Para evitar superdosagem, tais drogas só devem ser usados em menores de 6 anos sob orientação médica.