Título: Onde a escassez preocupa
Autor: Rodrigues, Luciana; Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 29/10/2007, Economia, p. 19
Setores com demanda aquecida, como mineração e petróleo, são os mais afetados.
As indústrias de petróleo, mineração e de equipamentos de transporte são as que mais estão sentindo a escassez de profissionais qualificados. Mas falta mão-de-obra capacitada também no campo - principalmente no setor sucroalcooleiro - no setor de varejo e, ainda, nos serviços especializados, como o de tecnologia da informação. A história se repete em todos os setores da economia em que a demanda está aquecida.
Sondagem recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) constatou que, entre as indústrias de álcool, 76% carecem de mão-de-obra qualificada. No setor de vestuário, são 75%. Nas indústrias extrativas, de equipamentos de transporte e de máquinas e equipamentos, as queixas também superam os 70%.
A catarinense WEG, que fabrica motores elétricos industriais, contratou 3.500 funcionários este ano. E ainda há 500 vagas abertas. A chefe de recrutamento da WEG, Rosana Spézia, explica que, nos últimos três anos, com a expansão dos negócios, a dificuldade para encontrar profissionais qualificados se multiplicou.
- O maior problema é com pessoal de nível técnico. A formação dos que chegam é insuficiente e, por isso, nós damos treinamento - conta Rosana, acrescentando que 5 mil trabalhadores já passaram pelos cursos da WEG.
Entre os profissionais com maior qualificação, empresários e economistas são unânimes em afirmar que a grande escassez é de engenheiros. Nas contas de Ericksson Almendra, diretor da Escola Politécnica da UFRJ, o país tem quatro grandes projetos de usinas siderúrgicas para sair do papel nos próximos anos. Neles, devem ser necessários 1.600 engenheiros - bem mais que a capacidade de formação das escolas.
- A UFRJ, por exemplo, forma de 40 a 50 engenheiros por ano. Mas as escolas já se movimentam. No nosso caso, para 2008, estão previstas 20 vagas a mais nos cursos. E há outras 500 em discussão. Para 2009, são mais 100 vagas no Rio e mais 120 em Macaé.
Fornecedores "roubam" profissionais dos clientes
As universidades precisam se adaptar às demandas do mercado de trabalho, afirma Paulo Mota, diretor da Cyrela. Segundo ele, além da carência de operários especializados na construção civil, o setor se ressente da escassez de incorporadores:
- Não há faculdade que forme incorporadores. Esse papel acaba sendo assumido pelas companhias.
- Um engenheiro no setor de construção civil é mosca branca, de tão raro - faz coro Izilda Leal Borges, gerente de atendimento do Centro de Apoio ao Trabalho, administrado pela Secretaria do Trabalho do Município de São Paulo.
Faltam também engenheiros especializados em obras de infra-estrutura, a ponto de grandes empreiteiras nacionais estarem "importando" profissionais. O consultor Cláudio Garcia, da DBM, acrescenta ainda a carência de executivos especializados em varejo, profissionais que entendam de logística e engenheiros para o setor automobilístico, além de executivos financeiros que saibam preparar empresas para lançar ações em bolsa.
- Se o país virar investment grade, isso vai se agravar. O problema é que o Brasil ficou muito tempo empacado e, de repente, passou a receber investimentos em muito pouco tempo.
Para quem está longe de um padrão de excelência em sua formação, resta bater de porta em porta na busca de emprego. Na terça-feira passada, Heberton Costa Silva, de 26 anos, visitou oito bancos de emprego no centro do Rio. Ele concluiu o ensino médio e fez um curso de informática. Na carteira de trabalho, contabiliza 15 empregos nos últimos três anos.
- Já trabalhei como estoquista, ajudante de cozinha, auxiliar de operações. Minha carteira está "suja" de tantas anotações, mas só de emprego temporário. Depois dos três meses de experiência, me mandam embora. Sem emprego fixo, não dá para pensar em fazer faculdade.
Em alguns casos, como no setor de mineração, a demanda por profissionais qualificados começa antes mesmo do diploma. Guilherme Martins, de 22 anos, ainda não se formou em engenharia de produção. Com apenas um ano de estágio, foi efetivado pela Vale do Rio Doce na área de suprimentos, após freqüentar a universidade corporativa.
- A faculdade dá a base, mas não uma formação tão específica quanto a que recebi aqui dentro - disse Martins.
A briga por mão-de-obra qualificada na indústria pesada é tão grande que, não raro, os fornecedores tentam "roubar" profissionais de seus clientes. São freqüentes as investidas de Caterpillar e Volvo no quadro de pessoal da Vale, por exemplo. As dificuldades se estendem ao campo, em especial na indústria canavieira. Segundo Sérgio Parasmo, diretor operacional da Próxima, empresa do Grupo Datasul de soluções para gestão de agronegócios, a entrada de multinacionais cria novas frentes de trabalho, inclusive em tecnologia da informação.
- Resolvemos contratar agrônomos e engenheiros e capacitá-los para trabalhar com nossas tecnologias.
PEQUENAS E MÉDIAS SOFREM MAIS COM FALTA DE QUALIFICAÇÃO, na página 20