Título: Empresa que vira escola
Autor: Ribeiro, Fabiana; Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 30/10/2007, Economia, p. 21

Setor privado investe alto em qualificação profissional para suprir demanda.

Afalta de profissionais qualificados tem levado mais e mais empresas a assumirem o papel de formadoras de mão-de-obra. São crescentes os gastos com universidades corporativas, patrocínio de cursos técnicos e de pós-graduação e programas de estágio e trainees. Segundo especialistas, trata-se de uma saída para a defasagem entre a oferta de profissionais e as necessidades do mercado.

A Vale do Rio Doce vai contratar, apenas em 2008, sete mil pessoas. Para isso, a empresa capacita não somente funcionários pela universidade corporativa, mas também concede bolsas, de R$300 a R$3 mil, para alunos de cursos técnicos a pós-graduações de instituições como Cefet, PUC e universidades federais. Nos últimos três anos, 18 mil pessoas passaram pelos programas e 800 foram contratadas na Vale. Em números: um investimento de R$71 milhões.

- Dos 335 mil currículos inscritos no site da Vale, apenas 2% são de geólogos e engenheiros ligados à mineração. Formar pessoal é o desafio - disse Marco Dalpozzo, diretor de Recursos Humanos da Vale.

As iniciativas não parecem suficientes. A Vale estuda recrutar por um ano engenheiros e geólogos com experiência em projetos de países do Leste Europeu e de Filipinas, onde há maior oferta de mão-de-obra especializada.

Disputa maior do que no vestibular

A Petrobras, por sua vez, aumenta a cada ano o número de alunos nos cursos de qualificação. Em 2005, foram 32 mil. Em 2006, 56 mil, entre novos e antigos funcionários, um recorde. Muitos programas correspondem a cursos de especialização, mestrado e até mesmo doutorado. O gerente geral da Universidade Petrobras, Walter Brito, explica que, após uma década sem admissões, a empresa voltou a fazer concursos públicos há cinco anos e, nesse período, foram contratados 20 mil empregados. Engenheiros, por exemplo, passam por um treinamento que dura de quatro meses a um ano e que faz parte do processo seletivo.

Quarta maior empresa de aviação comercial do mundo, a Embraer desembolsou cerca de US$137 milhões nos últimos seis anos no treinamento e na qualificação de engenheiros. Só este ano, serão US$30 milhões.

- As universidades brasileiras formam anualmente entre 60 e 70 engenheiros aeronáuticos, o que está aquém das necessidades. Atuamos num setor muito específico - afirma a diretora de Recursos Humanos da companhia, Eunice Rios.

Em 2002, a Embraer admitiu uma primeira turma com 164 engenheiros para o seu Programa de Especialização em Engenharia da Embraer (PEE), com duração de 18 meses. Desde então, já foram 907 profissionais, dos quais 737 já concluíram o curso e foram imediatamente contratados pela empresa. Durante o programa, os engenheiros são bolsistas do Mestrado Profissional em Engenharia Aeronáutica do ITA, em São José dos Campos (SP).

Não é fácil fazer parte dessa turma. O processo de seleção inclui seis fases. Natasha da Rocha Moura, formada em engenharia eletrônica pela UFRJ, foi selecionada em outubro de 2006. Quando entrou na disputa, eram 4.500 candidatos para 150 vagas. Eram 30 pessoas por vaga - uma relação muito superior à encontrada em vários cursos de graduação. Para a faculdade de medicina da UFRJ, este ano, a disputa foi de 27,58 candidatos por vaga; na engenharia, menos de 9.

- Estou na fase final do curso, e nossa tarefa é desenvolver um novo produto - conta Natasha.

Ao contrário de Natasha, que está num mercado superespecializado, a publicitária Ana Paula Otero sofre com um setor já saturado - o da publicidade. Com pós-graduação e experiência em marketing, está desempregada há mais de um ano.

- O mercado está fechado. Enquanto não encontro emprego, resolvi ser autônoma - disse ela.

Na indústria, a busca por profissionais cada vez mais qualificados teve início na década de 90, quando a abertura comercial exigiu das empresas brasileiras mais competitividade e o uso de novas tecnologias, explica Antônio Marcos Ambrozio, da Secretaria de Assuntos Econômicos do BNDES. O maior crescimento econômico recente, com a retomada de investimentos, acentuou essa tendência.

E na hora de buscar mão-de-obra qualificada, 61,2% das empresas optam por capacitá-la dentro de casa. Em sondagem feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), outros 30,2% dos empresários responderam que contratam profissionais já qualificados, e só 8,6% que recorrem a cursos fora da empresa.