Título: A química do tráfico que sonhava ser médica
Autor: Guimarães, Ana Cláudia; Auler, Eduardo
Fonte: O Globo, 31/10/2007, Rio, p. 18

O pai a ensinou a preparar o crack.

O exemplo do pai em casa a levou à prisão. Aos 21 anos, Jorgina foi obrigada a assumir os ¿negócios¿ da família, que dominava pontos de venda de drogas em São Paulo. Para a jovem, não restava alternativa: o irmão, que era o sucessor do pai, também havia sido detido pela polícia. Ou se tornava ¿dona¿ da favela ou desistia da vida no tráfico:

¿ Se não tivesse aceitado, meu pai poderia perder tudo. Havia muito dinheiro investido. Nossa família é dona de comércio. Meu pai também sofreria represálias na prisão.

Oito anos depois, ela foi presa quando chegava ao Rio. Veio cuidar pessoalmente de uma entrega no feriado de Primeiro de Maio. Era uma tarefa atípica, ainda mais para quem estava à frente de uma quadrilha que faturava por mês aproximadamente R$100 mil. Mas havia um compromisso: os ¿amigos¿ esperavam uma carga de 15 quilos numa favela da Zona Norte.

¿ Ninguém queria trabalhar no feriado, o cliente precisava da droga e já estava tudo combinado. Era a palavra do meu pai que estava em jogo. Não haveria entrega em caso de prisão. Foi o que aconteceu ¿ disse Jorgina, de 29 anos, que foi presa no Centro do Rio.

Antes que tivesse condições de realizar o sonho de ser médica, ela já aprendia os segredos do ¿negócio¿ do pai. Antes de ser preso há 13 anos com duas toneladas de maconha e cocaína, ele ensinou a ela as técnicas para ¿preparar¿ a cocaína e o crack. A experiência lhe valeu o apelido de ¿química¿ do tráfico. Nada que seja motivo de orgulho:

¿ Minha mãe sofre muito. Tenho dois filhos, que não estão desamparados, mas não sabem o que faço. Se o dinheiro fosse tudo, não estaria presa.