Título: A solidão na hora de acertar as contas
Autor: Guimarães, Ana Cláudia; Auler, Eduardo
Fonte: O Globo, 31/10/2007, Rio, p. 18

Nos presídios femininos, a tristeza de quem não pode ver os filhos crescer.

Elas ficaram no meio do caminho. Deixaram para trás uma vida marcada pelo poder, prestígio e dinheiro e se depararam com a solidão e a frieza dos presídios. Distante das famílias, contam os dias para ter a liberdade de volta. No cárcere, a maioria das mulheres presas por envolvimento com o tráfico vive o dilema da escolha que fizeram. E não são poucas ¿ mais de 600 em todas as penitenciárias do Rio.

¿ Não é desculpa, mas sempre convivi com a violência. Meu pai e quatro irmãos morreram após entrarem no tráfico. Engravidei aos 15 anos e não vi outro caminho para sustentar o meu filho. Meu sonho era ser dona-de-casa. Quero poder voltar a rir ¿ disse Kelly (todos os nomes são fictícios), de 23 anos, que não vê o filho há dois anos, desde que foi presa com um quilo de cocaína na Baixada Fluminense.

Como Kelly, outras 179 mulheres passam pelo mesmo drama na Penitenciária Talavera Bruce, no complexo de Gericinó. Muitas vão ficar parte de suas vidas atrás das grades ¿ há quem tenha sido condenada até a 35 anos de prisão. Nesse meio tempo, vêem os maridos as abandonarem, perdem a oportunidade de testemunhar o crescimento dos filhos e, em alguns casos, não chegam a conhecer os próprios netos.

¿ A maioria é abandonada pela família e não recebe visitas de maridos, filhos e até pais. Há fila de mulheres nas portas dos presídios masculinos. No feminino, quase não tem ninguém ¿ contou Rosa, de 32 anos, que conseguiu reduzir sua pena de 35 para 23 anos.

Sua história retrata a de muitas mulheres que estão no presídio: foi levada ao crime por paixão. Aos 17 anos, ela se envolveu com um policial que vendia drogas. Típica garota da Zona Sul, de boa aparência, não despertava suspeitas da polícia. Depois, ao conviver com os bandidos, acostumou-se com o crime. E passou a trabalhar por conta própria.

No fim da década de 90, Rosa se tornou uma das principais fornecedoras de drogas e armas para o tráfico. Chegou a morar na Bolívia e, depois, na Colômbia, de onde mandava munição e até cem quilos de cocaína a cada 15 dias.

¿ Se até lixo pode ser reciclado, por que eu não posso ser também? Quando eu sair daqui, vou recomeçar a minha vida. Aprendi que não precisamos de nada para viver, só a liberdade. Cometi um erro, mas estou recuperada. Por que não me deixam provar? ¿ perguntou Rosa, chorando, ao descobrir, durante a entrevista, que sua condicional fora novamente negada.

Mães vêem suas famílias serem destruídas

Há quem seja levada ao tráfico pela própria família. É o caso de Maria, que se envolveu com o crime por influência do marido e de um amigo de infância que considerava um irmão. Ou Jorgina, que seguiu os passos do próprio pai. Já Juliana se arriscava ao lado do filho de 5 anos ¿ ela transportava drogas na rota Rio-São Paulo.

¿ Precisava manter meu vício. Quando você entra, não dá para sair ¿ disse Juliana, de 26 anos.

Há cinco anos à frente do Talavera Bruce, o diretor Luís André Azevedo se impressiona com o crescimento do número de mulheres que fazem do tráfico a sua opção de vida. Nesse período, o aumento chegou a 30% ¿ há aproximadamente 600 mulheres traficantes no sistema penitenciário do Rio. Para Azevedo, o crime é mais cruel para elas, já que suas famílias também acabam punidas. Mães, muitas vêem suas famílias se desestruturarem.

¿ Estamos chegando a um ponto em que não vai haver mais vagas no sistema penal para mulheres. Com 320 internas, trabalho no limite. Nos presídios femininos a faixa etária média tem diminuído, ficando em torno de 24 anos. A reincidência diminuiu.

Para Celso Athayde ¿ que escreveu com MV Bill o livro ¿Falcões, mulheres e o tráfico¿, da editora Objetiva ¿ é justo que essas mulheres paguem pelos seus crimes. Mas, segundo ele, há o outro lado:

¿ Elas vão voltar para o nosso convívio. Antes de julgarmos essas mulheres, temos que decidir que tipo de ex-presidiárias queremos ter de volta. Minha sugestão é criar alternativas de trabalho para elas.

* Do Extra

LEIA AMANHÃ reportagem sobre as mães que perderam filhos para o tráfico de drogas