Título: Falta gás no Rio
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 31/10/2007, Economia, p. 25
Corte de fornecimento do produto pela Petrobras afeta 89 postos de GNV, além de indústrias.
OEstado do Rio começou a sofrer ontem um apagão de gás. A Petrobras, única fornecedora do insumo no Brasil, cortou em 17% o fornecimento para as distribuidoras estaduais Ceg e Ceg-Rio, alegando necessidade de "garantir a geração de energia elétrica das usinas a gás natural". A estatal deixou de suprir 1,3 milhão de metros cúbicos de um total de 7,5 milhões de metros cúbicos de gás fornecidos diariamente às duas empresas. Em São Paulo também houve redução de 13% do abastecimento. A Petrobras informou que os cortes são temporários, mas não deu qualquer perspectiva de normalização do suprimento.
A redução de disponibilidade de gás teve efeito imediato, levando as distribuidoras a improvisar um plano de contingência: 89 postos de gás natural veicular (GNV) na Região Metropolitana do Rio tiveram interrupção de fornecimento, e indústrias como Bayer e Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) operaram com queda de até 90% do volume normal. A Bayer chegou a fechar suas três fábricas de matéria-prima para tintas em Belfort Roxo, as únicas da fabricante alemã na América Latina. Os setores residencial e comercial, como escolas e hospitais, não foram afetados. O policial militar Carlos Eduardo Sotério empurrou seu carro da Tijuca até o posto da Petrobras na Praça da Bandeira em busca de gás. Ao chegar ao posto, no entanto, soube que o fornecimento tinha sido suspenso:
- Agora, o jeito é abastecer com gasolina, mas isso acaba encarecendo, já que fiz a opção pelo gás por causa da economia.
Estado de São Paulo também é afetado
Em São Paulo, onde o fornecimento foi reduzido em cerca de 2 milhões de metros cúbicos/dia para a distribuidora Comgás, o consumidor final ainda não sentiu os efeitos do corte, disse a secretária estadual de Saneamento e Energia, Dilma Pena. O estado consome 15 milhões de metros cúbicos de gás por dia, mas boa parte dele vem da Bolívia. A Comgás informou que está negociando com sete indústrias para que elas usem energia de usinas abastecidas com óleo combustível. Como o custo de energia é mais alto que o de térmicas a gás, a distribuidora vai negociar com a Petrobras para que a estatal arque com a diferença.
Em nota, a Petrobras afirmou que avisara que isso ocorreria às distribuidoras há duas semanas. A Ceg e a Ceg-Rio, controladas pela espanhola Gás Natural, dizem ter recebido um comunicado de corte da estatal às 20h25m de segunda-feira. Por volta das 12h de ontem, as distribuidoras começaram a notificar os clientes. A estatal diz ainda que as distribuidoras vinham recebendo volume superior ao contratado há mais de um ano e que negociava com elas há meses o aumento do fornecimento de gás por "outras modalidades contratuais de longo prazo". O problema é que as partes não chegam a um consenso.
- A Petrobras resiste em aumentar os volumes por não ter gás suficiente para todos os clientes. Por isso, os contratos continuam defasados - diz o diretor de negócios no Rio da consultoria gaúcha Gas Energy, Pedro Camarota.
O caso de Ceg e Ceg-Rio é exemplar. O contrato firme, ou seja, que assegura compromisso de fornecimento contínuo, entre as duas empresas e a Petrobras soma 5,2 milhões de metros cúbicos diários de gás. O documento data de 2002. Desde então, o consumo do Estado do Rio cresceu para cerca de 7,5 milhões de metros cúbicos diários. Até então, a estatal vinha fornecendo esse adicional sem problemas, pois havia "sobra" de gás.
No entanto, desde maio deste ano, a petrolífera se comprometeu com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a garantir suprimento de gás para as térmicas. Ontem, as térmicas precisaram do gás para gerar energia, e a Petrobras teve de desviar o fornecimento para honrar o compromisso com a agência. Em maio, a empresa foi multada em R$84 milhões por descumprir esse acordo.
No sistema elétrico brasileiro, que tem 90% de sua geração baseados em hidrelétricas, as térmicas funcionam como recurso complementar. Só são acionadas quando os reservatórios das hidrelétricas estão caindo. Isso porque, à medida que os estoques de água diminuem, o custo de energia gerada pelas usinas no mercado spot (curto prazo) sobe. Assim, a energia gerada por térmicas a gás se torna competitiva, levando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a acioná-las. Esse procedimento é corriqueiro entre abril e novembro, meses de estiagem no país. Desta vez, porém, a demanda por energia superou a de anos anteriores, devido ao aquecimento da indústria.