Título: À espera de Obama
Autor: Vaz, Viviane; Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 17/04/2009, Mundo, p. 20

Cúpula das Américas

Líderes latino-americanos vão a Trinidad e Tobago levar consenso da região pela reintegração de Cuba aos fóruns continentais. Na véspera do encontro, presidente americano volta a conversar com Lula sobre o tema

Os chefes de Estado de 34 países do continente ¿ todos menos Cuba ¿ desembarcam hoje em Trinidad e Tobago, para a 5ª Cúpula das Américas, o primeiro encontro de Barack Obama com os colegas latino-americanos desde que chegou à Casa Branca, há pouco menos de 100 dias. Na pauta oficial, os líderes regionais conversarão sobre ¿promoção da prosperidade humana, segurança energética e sustentabilidade ambiental¿. Mas a crise financeira global pedirá passagem nas discussões, e o embargo norte-americano a Cuba se anuncia como questão central da reunião: a América Latina leva a Port of Spain a posição de consenso de que romper o bloqueio à ilha é o passaporte para Obama se reaproximar da região.

Nas últimas semanas, o Brasil foi pivô de articulações discretas, porém intensas articulações diplomáticas que envolveram Havana, Washington e outras capitais do continente. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, uma delegação do Congresso americano, o anfitrião da cúpula e colegas como o colombiano Álvaro Uribe para, entre outros assuntos, acertar o tom com que a questão cubana será colocada. Brasil e Colômbia devem propor a inclusão de Cuba no mecanismo, mas tratarão de contornar a pressão da Venezuela, Bolívia, Nicarágua e aliados para que o assunto conste da declaração final. Segundo o Correio apurou com fontes diplomáticas, Cuba saboreia a situação de estar no centro das atenções, mas conta com Lula para evitar que Obama se sinta ¿encurralado ou humilhado¿.

O presidente norte-americano conversou com o colega brasileiro por cerca de 15 minutos, ao telefone, antes de embarcar para o México, a caminho da cúpula. Em entrevista ao canal em espanhol da TV CNN, Obama reiterou o lugar especial que reserva ao governo brasileiro em sua aproximação com o Hemisfério: ¿Minha relação com o presidente Lula é que somos dois líderes de grandes países. Estamos tentando resolver problemas e criar oportunidades para nosso povo, e deveríamos ser parceiros¿. Também reconheceu que ¿os tempos mudaram¿, que os EUA não devem ditar normas aos demais sobre como estabelecer suas práticas democráticas, e respondeu indiretamente a Fidel Castro ¿ em artigo, o ex-presidente cubano minimizou as medidas de alívio do bloqueio anunciadas pelos EUA, reiterou a exigência da suspensão do bloqueio e disse que Cuba ¿não pede esmolas¿. ¿Não esperamos que Cuba nos suplique¿, disse Obama. ¿O que estamos buscando é algum sinal de que vai haver mudanças.¿

Bilaterais Lula recebeu 10 pedidos de encontros bilaterais, e Obama, 30. A maioria quer ter pelo menos alguns minutos com o americano, e por isso ele propôs na quarta-feira um encontro com os chefes de Estado e governo da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). O ministro de Assuntos Estratégicos do Brasil, Roberto Mangabeira Unger, que foi professor de Obama em Harvard, indicou que ¿os EUA têm uma oportunidade sem precedentes de sair das pequenas disputas comerciais e construir algo novo na relação com o Hemisfério¿.

Já a professora de Economia Política Judith Valencia, da Universidad Central da Venezuela (UCV), avalia que o presidente Hugo Chávez e seus colegas da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) deverão usar a ¿fórmula da reserva¿, que consiste em ¿assinar a declaração final expressando diferenças e desacordos sobre aspectos pontuais¿. Ela recorda que Chávez usou a reserva por duas vezes: na cúpula em Québec, contra uma cláusula sobre democracia representativa, e no encontro do Grupo do Rio, em maio de 2003, pela mesma razão.