Título: Para juristas, privilégio gera impunidade
Autor: Brígido, Carolina; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 01/11/2007, O País, p. 8

Lentidão do Judiciário também é alvo de críticas.

SÃO PAULO. "Se todos são iguais perante a lei, não pode existir o foro privilegiado", defendeu o jurista Helio Bicudo, ao criticar a manobra do ex-deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB), que renunciou ao mandato para escapar do julgamento, por tentativa de homicídio, no Supremo Tribunal Federal.

- Ele deve ter avaliado que tem mais chances de manipular um júri popular em seu estado. Ele tem poder na terra dele. E tem todos os recursos para apelar: o Tribunal de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça e o próprio STF. Ele está contando com a absolvição. E a gente? A gente não conta com nada - disse o jurista.

Para Bicudo, o efeito desse tipo de caso sobre a sociedade é danoso:

- Quanto mais você estica o tempo do julgamento, mais possibilidades tem de escapar da punição. Daqui a pouco o crime está prescrito. A impunidade é mola da violência.

O jornalista Cláudio Weber Abramo, da ONG Transparência Brasil, avalia que o foro privilegiado é face de um problema maior.

- O vilão é o Judiciário. E o foro é um aspecto dessa vilania. É preciso reformar esses códigos - disse.

Abramo afirmou que o ex-deputado usou brechas que a Justiça permitiu:

- O que o ministro (Joaquim Barbosa, do STF) queria? Que o Cunha Lima dissesse: "Eu concordo, eu vou para a cadeia?"

Abramo chamou de "declaração de bacharel" a afirmação do ministro Joaquim Barbosa de que Cunha Lima fizera um "escárnio" contra a Justiça e o STF.

- Não tem escárnio. São chicanas legítimas. Do que o ministro está reclamando? É demagogia. Por que a Justiça levou 14 anos para julgá-lo? Por que ele não reclama do Judiciário?

O jurista Luis Roberto Barroso, da Uerj, também critica o foro privilegiado na forma como é usado no Brasil atualmente:

- O objetivo era proteger autoridades de perseguições ou retaliações políticas. Ele se converteu em instrumento de impunidade. Os tribunais superiores não dispõem de estrutura para processar e julgar ações penais.