Título: STF impõe derrota ao ex-banqueiro Cacciola
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 01/11/2007, Economia, p. 31

Supremo nega pedido para anular processo que condenou ex-dono do Marka. Único a discordar foi Marco Aurélio.

BRASÍLIA. O Supremo Tribunal Federal (STF) negou ontem o pedido do ex-banqueiro Salvatore Cacciola para anular todo o processo que resultou em sua condenação. A defesa alegou que a lei 11.036, de 2004, deu direito a foro privilegiado na mais alta corte de Justiça para presidentes e ex-presidentes do Banco Central. Como Cacciola foi incluído no mesmo processo que Francisco Lopes, ex-presidente da instituição, o caso deveria ter sido julgado pelo STF, e não pela Justiça Federal do Rio. A tese foi derrotada por um detalhe: apesar de ter comandado o BC, Lopes exerceu o cargo interinamente e não teve sua nomeação oficializada pelo Palácio do Planalto.

O placar da votação contabilizou nove votos a um. Só o ministro Marco Aurélio Mello concordou com o pedido de Cacciola. E foi além, ao defender mais uma vez a máxima constitucional de que o réu não pode ser preso enquanto a sentença não tiver transitado em julgado (enquanto houver possibilidade de recurso da condenação).

Marco Aurélio também reiterou sua posição polêmica sobre o "direito natural de fuga do ser humano". Em 2000, o ministro deu um habeas corpus libertando Cacciola. Após sete anos foragido, o ex-banqueiro foi preso novamente este ano, em Mônaco, onde aguarda julgamento do pedido de extradição feito pelo governo brasileiro.

- A fuga é um direito do homem, o homem não tem a obrigação de se submeter às condições subumanas de nosso sistema penitenciário, de nossas delegacias. A fuga por si só não conduz à prisão preventiva - disse Marco Aurélio, ressaltando sua convicção de que Cacciola não deveria estar preso.

O vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, presente à sessão, opôs-se ao comentário:

- Em atitude de escárnio à Justiça brasileira, Cacciola entregou-se à dolce vita italiana. Não tivesse cedido à tentação de gozar dos encantos de Mônaco, jamais a Justiça teria recuperado o réu.

Relator notou a falta de nomeação formal de Lopes

O voto que conduziu a maioria dos ministros foi do relator do caso, ministro Carlos Alberto Direito. Ele atentou para a falta de nomeação formal de Francisco Lopes para o cargo. Para Direito, Lopes não tem direito a foro privilegiado por ter presidido interinamente o BC. A presidente do STF, ministra Ellen Gracie Northfleet, foi a única que não votou: seu voto é facultativo nesses casos.

O status de ministro - e o direito a foro especial no Judiciário - para presidentes do BC foi concedido por uma medida provisória editada em agosto de 2004 pelo presidente Lula. Em dezembro do mesmo ano, o Congresso aprovou lei confirmando o conteúdo da MP. Além disso, a lei estendeu o privilégio aos ex-presidentes da instituição. A nova legislação provocou uma série de ações no STF contestando a regalia. Em maio de 2005, a corte declarou constitucional o status de ministro concedido a presidentes do BC.

Cacciola, que era dono do Marka, foi condenado pela Justiça Federal do Rio, em abril de 2005, a 13 anos de prisão por peculato e crime contra o sistema financeiro. Lopes foi condenado a dez anos de prisão por peculato, e a então chefe de Fiscalização do BC, Tereza Grossi, a seis, por peculato e crime contra o sistema financeiro. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com sede no Rio, confirmou as condenações. Na desvalorização do real em 1999, o BC socorreu os bancos Marka e FonteCindam com R$1,6 bilhão. O dinheiro serviria para evitar crise no sistema financeiro, tese questionada pela promotoria.