Título: Com raízes na Ásia
Autor: Tavares, Mônica; D'Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 04/11/2007, Economia, p. 33

Embrapa vai inaugurar laboratório na região para desenvolver tecnologia agropecuária.

AEmbrapa, referência brasileira em pesquisa, vai tomar o caminho da Ásia. De olho no crescimento exponencial da região, na parceria estratégica com China e Índia e na demanda por tecnologia agrícola, a estatal vai criar um laboratório asiático, segundo informou o presidente da empresa, Silvio Crestana. Ele acaba de chegar de uma viagem de prospecção à Coréia - que ofereceu o melhor pacote de incentivos até agora - e ao Japão.

Responsável por revolucionar o perfil da agricultura brasileira, com o desenvolvimento de tecnologias que transformaram o cerrado no maior celeiro de grãos do mundo e possibilitaram o cultivo de frutas para exportação no semi-árido nordestino, a Embrapa desfruta hoje de reconhecimento internacional. Recentemente, por exemplo, foi citada pelo ex-secretário de Estado dos EUA Colin Powell como principal fator por trás da ascensão do Brasil à condição de "superpotência agrícola".

A empresa já está presente nos Estados Unidos, na França, na Holanda e na África. Nos três primeiros, os laboratórios são mantidos pelo Banco Mundial (Bird) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A atuação européia será reforçada, com laboratórios na Alemanha, na Inglaterra e na Espanha, provavelmente. A abertura de um laboratório ou escritório na América Latina também está em análise.

Na França, ganhou apelido de Agrópolis

A Embrapa ainda precisa de autorização dos ministérios do Planejamento, da Agricultura e das Relações Exteriores para inaugurar o laboratório asiático, cuja manutenção anual será de US$500 mil. Embora a Coréia seja um forte candidato, o Japão também oferece atrativos. Segundo Crestana, a China está "se colocando no páreo", e ele afirma que não podem estar de fora a Índia, a Tailândia, a Indonésia e as Filipinas. Austrália e Nova Zelândia, afirmou o executivo, precisam ser observadas de perto:

- O Brasil é um global player em produção agrícola e em conhecimento agrícola tropical. Lidera hoje o ramo. Portanto, a África, a Ásia e a América do Sul estarão dependendo de nosso conhecimento. Estamos em um papel de levar conhecimento para lá.

Crestana lembra ainda que o crescimento exponencial da Índia e da China fará com que essas nações sejam, muito em breve, mais importantes do que o G-7 (grupo das nações mais ricas do mundo):

- Teremos que ter pelo menos um pesquisador sênior em China, Índia, Coréia e Japão.

A Embrapa, explicou seu presidente, tem dois tipos de atuação no exterior. Uma é a que envolve laboratórios, com o desenvolvimento de tecnologia e a troca de experiências, numa unidade da empresa ou em institutos estrangeiros. É o caso das presenças nos EUA, na Europa e, futuramente, na Ásia. O pressuposto é que nessas localidades existem instituições com o mesmo grau de excelência, mas com muito mais dinheiro, propiciando trocas e acesso à tecnologia de ponta.

A outra linha é a transferência de tecnologia, por intermédio de escritórios de negócio. Nesse caso, o objetivo é compartilhar conhecimento científico, balizar projetos de desenvolvimento agrícola e treinar recursos humanos. É o caso da experiência na África, onde a unidade, que completa um ano em dezembro, está instalada em Gana. A prospecção de oportunidades para o agronegócio brasileiro também faz parte da estratégia. Essa linha de atuação é a que norteará a instalação de um escritório na América Latina - os países nos quais há demanda são Panamá, Venezuela, Colômbia e Bolívia.

Nos EUA, há cinco pesquisadores espalhados em diferentes instituições, em áreas consideradas estratégicas pela empresa. Além disso, a Embrapa tem uma base no Departamento de Agricultura, em Washington. Na Europa, a unidade da França é chamada de Agrópolis, na Universidade de Montpellier. A estatal tem acordos bilaterais de cooperação técnica com 37 países e 64 instituições, mantendo ainda acordos multilaterais com 20 organizações internacionais, com as quais faz parcerias e pesquisas.

Gestão anterior era tida como ideológica

Entre os produtos desenvolvidos com base nas pesquisas da Embrapa estão itens diversos - como um "brinco" para boi e um inseticida anti-Aedes aegypti -, que têm em comum a tecnologia. O "brinco com chip de memória" monitora virtualmente rebanhos bovinos, desde que os novilhos nascem até o abate. Sem similar no mundo, está sendo desenvolvido em parceria com duas empresas de São Carlos e pode ser comercializado em breve. Já a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia desenvolveu, em parceria com a empresa Bthek Biotecnologia, do Distrito Federal, o Bt-horus, inseticida biológico capaz de controlar o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue e da febre amarela, sem prejuízos à saúde.

Depois de uma gestão tida como marcada por ideologias, nos dois primeiros anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a estatal desfruta hoje de prestígio entre dirigentes do agronegócio. O vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho, que aprova a atuação de Crestana, não faz segredo de seu descontentamento com Clayton Campanhola, o primeiro presidente na gestão petista (2003 e 2004), a quem via como "um indivíduo com tendência ideológica":

- O Brasil vive um processo de amadurecimento e devemos entender que na Embrapa, como um patrimônio do país, não cabem ideologias.