Título: Se prender mais, vão matar menos
Autor: Alves, Cristina
Fonte: O Globo, 04/11/2007, Economia, p. 38

Professor da FGV mostra como EUA e São Paulo derrubaram a taxa de homicídios aumentando as vagas em presídios.

Um dos mais respeitados acadêmicos do país, o professor Aloisio Araújo, da Fundação Getulio Vargas e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), está convencido de que os economistas precisam cada vez mais se envolver nos temas sociais. Pensando nisso, dois anos atrás, ele trouxe ao Brasil o Prêmio Nobel James Heckman para discutir a importância da educação infantil no combate à pobreza. Nos últimos meses, junto com Bruno Funchal, ex-aluno de doutorado da FGV e professor da Funcap, estudou a relação entre aumento da população carcerária e queda nas estatísticas de homicídios nos EUA e em São Paulo, que hoje conta com 144 unidades prisionais, três delas de segurança máxima. A conclusão é: prender ajuda a reduzir as mortes. E ele defende que o Rio siga esse exemplo.

Cristina Alves

Está crescendo o debate sobre a violência entre os economistas. O que o senhor defenderia como a maneira mais rápida de se conter a violência em grandes cidades como o Rio?

ALOISIO ARAÚJO: Um artigo clássico do Prêmio Nobel de Economia Gary Becker, da Universidade de Chicago, mostra que o crime pode ser desestimulado se o retorno esperado pelo potencial ganho do criminoso for inferior às chances de ele ser apanhado e sofrer punição severa.

E essas chances são pequenas...

ARAÚJO: Pois é. Como os nossos índices de criminalidade são muito altos, podemos imaginar que estamos fazendo algo muito errado. Não faltam razões. Pode-se dizer que é preciso aumentar o efetivo das polícias, ter penas mais severas, dar mais rapidez ao Judiciário, tudo isso. Mas não é só. Muitas sociedades resolveram o problema da criminalidade aumentando o número de prisões. É o caso dos Estados Unidos e de São Paulo. Nesses casos, o aumento da população carcerária coincide com a queda na taxa de homicídios. Os gráficos mostram isso. Não é o que acontece no Rio.

Então não é só um problema de aperfeiçoar a legislação para punir?

ARAÚJO: Exatamente. É claro que existe uma legislação que pode ser melhorada, pode-se mudar a questão da progressão automática das penas, por exemplo, mas é fato que tanto São Paulo como o Rio estão sujeitos a mesma legislação federal e, ainda assim, a queda da taxa de homicídios por mil habitantes é muito maior de alguns anos para cá em São Paulo. Num determinado momento, as curvas de homicídios de Rio e São Paulo se aproximavam e depois essa trajetória mudou de maneira muito forte. Podemos concluir que a restrição então é o número de vagas na prisão.

O senhor tem números que mostram isso?

ARAÚJO: Em 2006, o Rio tinha 1,5 preso para cada 100 mil habitantes e 42,2 homicídios por 100 mil habitantes. Em São Paulo, o número era de 3,57 presos para 100 mil habitantes e 18,8 homicídios para 100 mil habitantes. Para se ter uma idéia, nos EUA, onde o nível de encarceramento também é muito alto, temos 7,33 presos por 100 mil habitantes e 5,6 homicídios para a mesma proporção da população. Ou seja, mais presos, menos homicídios naquela sociedade. Acho que precisamos refletir sobre isso e nós economistas temos uma contribuição a dar nas políticas sociais adotadas. Já demos nossa contribuição em outros momentos, como no caso da redução do Coeficiente de Gini (que mede a desigualdade da renda nos países), da estabilidade macroeconômica e até de reformas microeconômicas.

Então a solução é construir presídios. São Paulo, por exemplo, encarcerou mais e viu explodir rebeliões como a do PCC que paralisaram a cidade... Em 2006, houve 90 rebeliões.

ARAÚJO: Sim, essa é uma questão importante, mas que considero paralela. Isso não invalida os resultados obtidos na redução da criminalidade. A taxa de homicídios numa sociedade é algo intolerável. Podemos encontrar outras soluções para as prisões, como fazer Parcerias Público-Privadas (PPPs), fazer concessões à iniciativa privada ou simplesmente aumentar os investimentos públicos nesse setor. Além do mais, o encarceramento tem dois benefícios muito claros. Um é desestimular o potencial criminoso a agir porque ele sabe que pode ser punido. O outro é retirar o criminoso do convívio social, inibindo novos crimes.

Voltamos ao velho dilema de escolher entre construir escolas ou construir presídios?

ARAÚJO: Não. Claro que aumentar a população carcerária não é a solução para tudo. A educação infantil é essencial. Há dois anos, num evento da Fundação Getulio Vargas, trouxemos o Nobel de Economia James Heckman que, num trabalho em autoria com Pedro Carneiro e Flávio Cunha, mostra que os retornos da educação infantil são maiores quanto mais cedo se começa essa intervenção. Mas é claro que não adianta criar creches que vão ser meros depósitos de crianças. É preciso desenvolver de forma intensa essas crianças, e os neurocientistas sabem disso muito bem. Os benefícios são maiores do ponto de vista emocional, de linguagem e do desenvolvimento lógico quanto mais cedo se começa a agir para educar essas crianças. No Brasil, temos feito muito progresso no que diz respeito aos níveis de escolarização de crianças de 7 anos em diante, quase universalizando o acesso. De 5 a 6 anos de idade, também estamos no caminho rápido para a universalização. Mas as políticas agora precisam ser voltadas para as crianças de zero a 4 anos.

No debate sobre o futuro das grandes cidades, além da violência, uma questão importante é a habitação. O economista peruano Hernan Soto exalta os benefícios da titulação das propriedades, defendendo que dar a titularidade da terra ou do lote é importante para tirar parte da população da miséria. O senhor discorda. Por quê?

ARAÚJO: Não sou contra a titulação, mas os efeitos propagados não são tão grandes e alguns estudos recentes mostram isso. Um, do Departamento de Economia da Universidade de Harvard (Field & Torero) e outro, de 2007, de Sebastian Galiani (Washington University em St. Louis) e Ernesto Schargrodsky (Universidade Torcuato Di Tella) analisaram os efeitos da titulação na Argentina e mostraram que o efeito sobre o crédito, por exemplo, praticamente não existiu. A titulação tem sido apresentada como uma grande panacéia. A tese de Hernan Soto é de que a titulação transforma o "capital morto" desse cidadão em capital vivo porque ele pode usar a propriedade como garantia de um empréstimo na cidade ou no campo, por exemplo. Discordo. Acho que as políticas tradicionais de habitação podem dar muito mais resultado. Além disso, há um efeito perverso na titulação, que é o aumento esperado do incentivo à invasão da terra. Depois de anos de inflação alta, de juros altos e de um ambiente institucional perverso, o crédito habitacional clássico quase desapareceu mas agora, com a estabilidade, ele voltou com força. Então para privilegiar a população de baixa renda, o melhor seria usar as políticas tradicionais voltadas ao crédito habitacional, com juros menores e até subsídio para essas populações, como fizeram Chile e México, por exemplo.

Quais as diferenças entre esses países hoje nessa questão?

ARAÚJO: No México hoje, por exemplo, são construídas 700 mil unidades habitacionais por ano. No Brasil, o número anda em torno de 200 mil. Claro que há uma perspectiva de crescimento desse mercado, principalmente quando o Brasil ganhar o grau de investimento, que pode reduzir ainda mais os juros do crédito e trazer mais investidores ao país, aumentando a oferta de imóveis.

E isso pode desinchar as favelas por exemplo?

ARAÚJO: Pode ter um efeito sim. Mas também há expectativa de construção em outras áreas. No Rio, por exemplo, temos diversos projetos importantes, como um novo pólo petroquímico, investimentos no Porto de Itaguaí que vão atrair populações para esses locais, onde é possível fazer habitações para populações de renda mais baixa. E há também áreas disponíveis na Avenida Brasil, em áreas que já tiveram ocupação industrial. Tudo isso pode ser ocupado. Vai ter gente querendo se mudar por vontade própria, sem o velho dilema da remoção de favelas. Tudo isso ameniza o problema. Não se deve esquecer, no entanto, que a maior parte da pobreza vai ser resolvida com questão da geração de emprego formal, como já está acontecendo. Onde isso não for possível, o governo deve manter as políticas de transferência de renda, com condicionantes, como vem sendo feito. É o caso de exigir a contrapartida da escola.

Recentemente o governador do Rio, Sérgio Cabral, citou o economista Steven Levitt, autor do livro "Freakonomics" para defender o aborto como forma de conter a violência e a "fábrica de marginais". Foi duramente criticado por isso. Aborto não deveria ser encarado como um direito da mulher e não uma política pública para conter violência?

ARAÚJO: Essa é uma questão moral complexa. Em primeiro lugar, ninguém está falando em forçar aborto, mas em liberá-lo ou não. Uma sociedade só vai liberar o aborto se houver amplos debates a esse respeito. E, mesmo que ele fosse aprovado, as conseqüências para o crime, se houver, vão ser tão a longo prazo, que não faz sentido pensar nisso.